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Páscoa como resistência

A Páscoa como relação e resistência

                Neste 3º domingo da Páscoa, o evangelho de Lucas (Lc 24, 35- 48) nos pinta um retrato da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus bastante sombrio. De acordo com o texto, os discípulos, reduzidos a onze, estavam fechados em uma sala, aprisionados pelo medo e pela descrença. Provavelmente, esta realidade era como se sentia o pequeno grupo de cristãos na região da Judeia ou no norte da Síria nos anos 80. Os romanos tinham destruído Jerusalém e o templo. Os cristãos tinham rompido com o Judaísmo e os rabinos os tinham expulsado da sinagoga. Eles estavam sem saber o que fazer e sem segurança em quem e em que ainda acreditar. Estavam assustados, preocupados e com muitas dúvidas. Sentiam-se culpados por não serem capazes de defender publicamente suas posições. Como os apóstolos no tempo de Jesus. 

De acordo com os evangelhos, na hora em que Jesus foi preso, eles fugiram e o abandonaram nas mãos dos seus inimigos. É a este grupo que, depois da Páscoa, Jesus se faz ver. Eles abandonaram Jesus, mas Jesus não os abandona. O problema deles é que tinham de abrir os olhos para ver a presença do Cristo ressuscitado em meio a eles ou entre eles e elas. (O Cristo ressuscitado presente na própria comunidade). 

O texto não descreve o Ressuscitado, nem diz como ele se manifestou. A atenção do evangelista não se centra na pessoa do Ressuscitado. Realça mais a relação que Ele estabelece com os discípulos. Primeiramente lhes comunica o dom da Paz. Não só deseja que tenham a paz. Faz mais do que isso. Traz para eles a Paz. A surpresa foi que no lugar de se alegrarem ao vê-lo, eles se assustam mais ainda. 

Nas culturas antigas, quando alguém era morto de forma violenta e não era bem sepultado, o seu espírito ficava vagando pelo mundo e aparecia aos vivos para se vingar. E aquele grupo se sentia culpado por ter fugido e abandonado o mestre. E Jesus foi morto violentamente e sepultado às pressas sem que os parentes ou amigos pudessem cumprir os ritos fúnebres. Enterraram-no apressadamente porque já era sexta feira no final da tarde e depois do cair do sol seria o Sábado da Páscoa. Então, agora, naquele domingo, ao verem Jesus, pensavam estar vendo um fantasma. Por isso, Jesus insiste em mostrar suas feridas nas mãos e nos pés e come diante deles pão e peixe assado. Sempre que Jesus ressuscitado aparece, a primeira pergunta que faz é sempre: Vocês têm aí alguma coisa para comer? 

Hoje, no Brasil, Jesus ressuscitado aparece mostrando as consequências de uma pandemia assassina e de um governo aliado da pandemia. As feridas do corpo de Cristo hoje tomam as formas das diversas formas de sofrimento que as pessoas enfrentam nas UTIs de hospitais ou pior ainda aonde caem doentes sem atendimento apropriado. E a pergunta sobre o que comer denuncia o sofrimento de 120 milhões de pessoas que no Brasil vivem, hoje, em situação de insegurança alimentar. 

Esta cena na qual Lucas conta a manifestação de Jesus Ressuscitado na comunidade é como um apelo à resistência dos discípulos e discípulas naquela terrível situação de crise e desolação pós-guerra e situação de exclusão religiosa que eles experimentavam. 

Hoje no Brasil, não vivemos uma situação de profunda desolação como em uma guerra que a cada dia perdemos milhares de pessoas? Nas Igrejas, há muita coisa boa, muita solidariedade e muito caminho bom de cristãos e cristãs. A profecia de padres como Júlio Lancelotti e de pastores como Henrique Vieira ou Romi Bencke nos alegra e conforta. Mas, ainda há boa parte das Igrejas presa somente ao Cristianismo ritual do templo e a uma interpretação da fé e modo de falar de Deus que a ressurreição de Jesus veio subverter. 

Nesta cena do evangelho de hoje, Jesus faz com os discípulos uma releitura da Bíblia para que a interpretem de um modo diferente, a interpretem a partir da ressurreição e lhes confirma na missão de serem testemunhas desta resistência na fé e no amor que é, como dizia Pedro Casaldáliga: espalhar ressurreição por este mundo. Ao ler e ouvir este evangelho neste momento que vivemos, se torna importante que, hoje, façamos a mesma coisa, reler os textos bíblicos de modo que possam nos dizer alguma coisa de novo sobre nossa missão de testemunhas da ressurreição hoje.  

 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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