Nessa semana, a ONU comemora o seu aniversário. O mundo recorda o 24 de outubro de 1945, quando foi proclamada a Carta das Nações Unidas. Agora, 72 anos depois, boa parte da humanidade percebe que uma organização internacional que regule as relações entre os Estados continua necessária. É útil ter uma ONU que reúne os governantes em função da paz e do bem de toda a humanidade. No entanto, cada vez fica mais clara a urgência de se constituir um organismo com perfil semelhante à ONU e reúna cidadãos da sociedade civil. A paz, a justiça entre os povos e o cuidado que a humanidade deve ter com a Terra são questões por demais importantes para serem deixadas apenas aos cuidados de técnicos e governantes. Um princípio jurídico dos tempos antigos afirmava: "Aquilo que diz respeito a todos deve ser tratado e decidido por todos".
Nas últimas décadas, foram tentadas várias tentativas de
algo nessa direção. Em junho de 1992, enquanto a ONU reunia os chefes de Estado
na Rio 92, no Aterro do Flamengo, se reuniam os movimentos e organizações
sociais em um encontro que reuniu pessoas do mundo inteiro. O plenário dessa
movimentação se chamava "Cúpula dos Povos". A partir do levante dos índios
do Sul do México (1994), em Chiapas aconteceram três encontros que se chamaram:
"Encontros da humanidade pela Vida e contra o neoliberalismo". Ao
mesmo tempo, na Itália e na França, grupos tentavam organizar o que chamavam de
"ONU dos povos". Em 2001 começou o processo dos fóruns sociais
mundiais. Quase vinte anos depois, esse processo continua vivo e interpelador.
O próximo Fórum Mundial ocorrerá em Salvador, BA, de 13 a 17 de março de 2018.
Uma intuição que, cada vez mais se torna geral é que esses
eventos são oportunos e úteis. No entanto, precisamos de uma articulação que vá
além dos eventos e manifestações ocasionais para algo permanente e cotidiano.
No Brasil atual, dezenas de movimentos e organizações sociais se juntam em
coletivos como a "Frente Brasil Popular" e ainda a "Frente Povo
sem Medo".
Dos povos andinos, se espalha pelo continente a proposta de
que o Estado e todas as organizações sociais, políticas e econômicas devem
tomar como prioridade o paradigma que os índios chamam: o Bem Viver.
Corresponde ao que, no evangelho, Jesus propõe como "vida em
plenitude", ou vida de qualidade (Cf. Jo 10, 10).
No Oriente Médio, alguns povos como os armênios e os curdos
vivem sem direito a se sentirem plenos cidadãos da terra em que nasceram. São
considerados como estrangeiros em seus próprios países de origem: a Turquia, a
Síria e o Iraque. Abdulah Ocalan, líder dos curdos, atualmente está em uma
prisão da Turquia e foi condenado à morte. Ele propõe como novo caminho
político o Confederalismo Democrático.
Trata-se de uma administração política não estatal. É uma democracia sem
Estado. Ao constatar que os Estados se fundamentam sob o poder das armas e da
coerção, ele propõe um caminho democrático que busque no diálogo o consenso
coletivo que seja possível, a convivência com a diversidade étnica, cultural e
religiosa. Esse caminho, diferente e até contrário ao caminho trilhado pela
sociedade dominante só é possível a partir de uma forte educação comunitária,
uma profunda fé na dignidade humana e na capacidade de juntos desenvolvermos as
sementes de bondade que existem em cada ser humano.
É impressionante que esse tipo de proposta venha de um líder
social e não de ministros religiosos. Esses, em geral continuam a pensar o seu
ministério e as relações entre pessoas, mesmo em uma comunidade religiosa, como
relação vertical de mando e obediência. Para os cristãos, é importante recordar
que, segundo o evangelho, na hora da última ceia, ao despedir-se do seu grupo
de discípulos e discípulas, Jesus lhes disse: "Os reis e governantes dominam sobre os povos. Os que têm poder
querem ser chamados de benfeitores. Entre vocês, não deve ser assim. Quem
quiser ser o maior se torne o menor e quem se propõe a governar seja como quem
se coloca a serviço dos outros" (Lc 22, 25- 26).