III Domingo comum C: Lc 4, 1- 4 e 14- 21.
PORQUE E COMO JESUS SE TORNOU REVOLUCIONÁRIO -
Neste domingo, as comunidades começam a leitura quase contínua do evangelho de Lucas. Dos quatro evangelhos, é o único que tem uma espécie de dedicatória a alguém chamado Teófilo, que pode ser cada pessoa que o evangelho chama de amada de Deus.
Depois desse breve prólogo, o lecionário passa a apresentar a primeira palavra pública de Jesus em um sábado na sinagoga de Nazaré, sua aldeia. Gustavo Gutierrez considera esse texto (Lc 4,14- 21) “o Pentecostes de Jesus”, de certa forma semelhante ao que o livro dos Atos dos Apóstolos chama de “Pentecostes da Igreja” (Cf. At 2).
Há alguns anos, em uma cidade do norte do país, houve um encontro de jovens católicos carismáticos. Naquela assembleia de mais de 300 rapazes e moças, o ambiente era de louvor, alegria, muitas danças e pulos no Espírito. O que mais se ouviam eram os gritos: Aleluia, glória a Deus! De repente, convidaram para o palco um amigo assessor da PJ que estava passando. Ele parabenizou os rapazes e moças que se diziam cheios do Espírito e perguntou se o Espírito Santo, pelo qual diziam estar possuídos, provocava neles e nelas o que o Espírito tinha provocado em Jesus.
De fato, a palavra de Jesus na sinagoga de Nazaré tem dimensão extremamente pentecostal. Jesus é totalmente possuído pelo Espírito Divino. Entretanto, o Espírito não se apossa de Jesus para fazer dele um místico separado da vida do mundo e sim um profeta da consolação e da cura, anunciador do reino da libertação integral das pessoas doentes, presas e oprimidas. A tragédia do Cristianismo é separar a dimensão pentecostal do caráter transformador e revolucionário da profecia. Na Bíblia, sempre a irrupção do Espírito Santo gera profecia (Cf. Nm 11 e várias passagens em Atos dos Apóstolos).
Conforme Lucas, no culto sabático da sinagoga de Nazaré, Jesus escolheu para ler o relato da vocação do chamado “terceiro Isaías” (Cf. Is 61,1-2). Assim, Jesus se apresenta como profeta. Ao escolher Isaías 61, se define como profeta da consolação, da restauração e da cura (profetismo da época pós-exílica), não como porta-voz do castigo e da ameaça divina, figura comum aos primeiros tempos do profetismo. Depois de um tempo de cativeiro, o profeta discípulo de Isaías proclamou um ano de jubileu, graça e libertação. Lucas diz que Jesus viu sua missão nessa perspectiva social (curar as pessoas doentes, socorrer as pobres) e política (anunciar o reino da libertação para todos e todas). Jesus leu o texto da vocação do 3º Isaías, mas omitiu a parte do verso 2 que fala da ira e da vingança de Deus. Essa escolha dele parece provocar o escândalo e depois a rejeição dos seus ouvintes (é o texto que meditaremos no próximo domingo). É importante salientar que o Espírito leva Jesus a anunciar – o verbo aparece três vezes em dois versículos: anunciar a cura das pessoas doentes e a libertação das pessoas oprimidas.
Na história dos povos bíblicos, a profecia de um jubileu da libertação não se cumpriu como as comunidades judaicas que ouviam Isaías podiam esperar que se cumprisse. Ao contrário, os povos bíblicos passaram de uma a outra dominação estrangeira, sem que o Espírito parecesse vir libertá-los. Por muito tempo, as comunidades que acreditavam na Bíblia esperavam uma libertação que ainda não tinha chegado.
Na vida de Jesus, quem olha o texto como relato histórico, tem dificuldade de imaginar como o profeta Jesus de Nazaré poderia, em sua pobreza e impotência, prometer tanto como ele prometeu. O fato de que ele veio para isso e tal libertação não ocorreu ainda deveria mobilizar ainda mais seus discípulos e discípulas a prosseguirem essa missão libertadora. Até hoje, mesmo se não tem mais tanta aceitação nos círculos oficiais eclesiásticos, - se alguma vez, o teve – a visão libertadora da fé continua atual e urgente.
Jesus exerceu essa sua missão de anunciar a libertação divina, que é libertação integral, não a partir da grandeza e do poder, mas da fragilidade, da pobreza e da cruz. Proclamou um jubileu que não se faz magicamente. Dá-nos a força do Espírito para trabalhar e dar a vida para que essa libertação se realize. É uma libertação a partir dos pequenos, vivida a partir da inserção e da identificação com os que sofrem.
É bom recordar que esse texto do evangelho de Lucas foi a leitura bíblica que abriu a 2ª conferência geral dos bispos católicos latino-americanos em Medellin (1968), na Colômbia. Desde então, principalmente nos anos da década de 1970, foi o texto evangélico mais influente na caminhada das Igrejas inseridas no meio do povo. Na América Latina e Caribe, as comunidades populares aprenderam a ir transformando nossa forma de conceber Deus. Jesus nos revela não um Deus poderoso e milagroso, mas Alguém que é Amor, pobre e inserido com os pequenos até a cruz.
Na ceia eucarística, Jesus se dá como alimento e nos convida a nos doar também, não apenas em um gesto ritual, mas na vida concreta do dia a dia. Esse é o melhor modo de escutar e praticar esse texto do Evangelho: doar a vida para que todos e todas tenham vida em abundância.
Cântico das comunidades de base da década de 1970:
Nossa alegria é saber que um dia,
Todo este povo se libertará,
Pois Jesus Cristo é o Senhor do mundo,
Nossa esperança realizará!
Jesus nos manda libertar os pobres,
E ser cristão é ser libertador,
Nascemos livres pra crescer na vida,
Não pra ser pobres e viver na dor!
Não diga nunca que Deus é culpado,
Quando , na vida o sofrimento vem,
Vamos lutar que o sofrimento passa,
Pois Jesus Cristo já sofreu também.
Libertação se alcança no trabalho,
Mas há dois modos de se trabalhar,
Há quem trabalha escravo do dinheiro,
Há quem procura o mundo melhorar.
E pouco a pouco o tempo vai passando,
E a gente espera a libertação,
Se a gente luta ela vai chegando,
Se a gente pára ela não chega, não!
(Canto das Comunidades-Livro Cantemos ao Senhor )