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Preparar o Advento de uma humanidade nova

Profecia de um Advento Novo

              Neste 2º domingo do Advento, do ano B, o lecionário propõe iniciarmos a leitura do evangelho de Marcos. No Novo Testamento, é o primeiro livro a ser escrito com este título de “evangelho”. Na época, pelos anos 70 do primeiro século, no mundo dominado pelo império romano, chamavam-se de evangelhos os decretos de anistia dados pelo imperador e espalhados pelas cidades do império para acalmar as populações colonizadas e ajuda-las a melhor aceitar o peso dos tributos. 

A comunidade de Marcos usa este termo (evangelho ou boa notícia) como título do seu livro para dizer que as boas notícias não podem vir do império. O verdadeiro evangelho é a vinda do reinado divino no mundo trazido por Jesus.

De modo diferente, mas igualmente enganador hoje há evangelhos imperiais e mensagens religiosas feitas para legitimar estruturas iníquas em nome de Deus. Ainda há poucos dias, no ardor da campanha eleitoral, vimos esse tipo de mistificação da opressão e até ministros de Igrejas entram nessa onda dos falsos evangelhos.  

Já no título do seu escrito, Marcos confere a Jesus dois títulos:  chama-o de Cristo (Jesus, o Cristo) e também o chama de “filho de Deus”. O título Cristo  é o termo grego correspondente ao hebraico Messias, isso é, o ungido do Senhor, ou consagrado e enviado por Deus para libertar o povo. 

 Na história do mundo, podemos chamar várias pessoas de Cristo, ou seja, ungidas de Deus. Na história, Buda, Maomé e tantos outros cumpriram esta função. Hoje, há sete anos, faleceu Nelson Mandela. Para a África do Sul e para o mundo inteiro, este homem significou isso. Foi um Cristo que depois de lutar pela libertação do povo negro e pelo fim do racismo, depois de 20 anos de prisão, saiu humano, ecumênico e capaz de liderar o país para outro tempo. 

No tempo dos evangelhos, o título de Filho de Deus era reservado ao imperador romano. Marcos diz que não é o imperador de Roma que é filho de Deus e sim Jesus. É Jesus que nos trará o reinado divino ao mundo. Jesus de Nazaré cumpriu de forma tão perfeita essa função de Cristo que esse título se tornou como um sobrenome: Jesus Cristo. Depois de nos dizer isso, o evangelho de Marcos conta que isso começou com João Batista no deserto (do verso 2 ao 4). Para quem não está habituado/a a ouvir esse evangelho,  gritar no deserto parece inútil, mas o deserto de João Batista não significa só um lugar afastado. 

Conforme a Bíblia, no tempo do Êxodo, o deserto foi o caminho para a terra prometida. Foi no deserto que Deus educou os hebreus e preparou o povo para a libertação e para viver a aliança. Agora, de novo, diz esse evangelho, é no deserto que se prepara a nova aliança. O grito de João Batista no deserto clama por mudanças, ele grita impulsionando para uma vida nova. É preciso até hoje escutarmos os gritos no deserto que pedem mudanças como sendo gritos evangélicos que preparam o reino de Deus. 

 Os textos do primeiro testamento citados por Marcos se referiam a algo que seria o fim da história, a meta dos tempos. O evangelho reinterpreta esses textos para dentro da história. O projeto divino não é algo para o fim dos tempos. É para agora. É no concreto da vida e da história, no compromisso social e político e em todas as dimensões da vida que ocorre a ação libertadora que o Espírito Divino inspira e nos guia para realizarmos. 

Não basta prepararmos o Natal na Igreja, em nossas casas e no nosso coração. Essa dimensão da preparação interior é importante, mas a conversão tem de se expressar em mudanças na vida social. O evangelho de Marcos faz duas subversões. Ele subverte a cultura romana por se apropriar do termo Evangelho que só era usado para atos do imperador romano e subverte a cultura judaica quando traz para o aqui e o agora um fato que o Judaísmo acreditava que seria no final do mundo.  

Nos versículos 6 a 8, o Evangelho apresenta João Batista como um profeta. Até pelo seu modo de vestir e de ser, João é profeta e a sua profecia é proclamar o batismo como ritual simbólico de transformação da vida. Significa mergulhar na água e sair dali para uma vida nova. 

O rito proposto pelo profeta João não era só de renovação individual. Era para significar uma renovação do mundo.  Todo mundo tem necessidade de mudar de vida. Só que João revela que está só começando. Virá alguém maior do que ele. É Jesus. O evangelho diz que Jesus começa a sua missão como discípulo de João Batista, mas tem uma missão mais importante  que o profeta. 

Ao afirmar que não é digno de desatar as sandálias do Cristo, João Batista não está se mostrando humilde. O sentido é outro. Ele está dizendo que é Jesus quem vai renovar a aliança de Deus com a humanidade. Ele, João é apenas o profeta que anuncia isso.    

Não podemos pensar este Advento só para dentro das Igrejas e nem o Natal apenas como recordação do nascimento de Jesus. Somos chamados/as a ser como João Batista, profetas e profetizas que através de um rito simbólico como o batismo apontam para a humanidade o caminho novo de renovação e transformação do mundo. 

Há sete anos (2013) neste dia, 06 de dezembro, na África do Sul, falecia Nelson Mandela, depois de uma vida consagrada à luta contra o apartheid e a discriminação social. É importante hoje no Brasil do racismo estrutural recordar e retomar esta memória que nos interpela como profecia deste Advento. 

Nestes dias, a ONU vai retomar a discussão se declara as vacinas contra os vírus como bens comuns da humanidade e impede a comercialização das vacinas. Em muitos lugares do mundo, a sociedade civil está se organizando e muitas assinaturas foram colhidas para pedir isso à ONU. Pode ser que não ganhemos, mas o fato de que no mundo inteiro, mais gente desperta para esta causa de uma humanidade que fale como humanidade e a partir dos mais pobres é certamente como um novo batismo que sinaliza hoje a emergência do reinado divino no mundo. É preciso que crentes e não crentes se unam a preparar este novo Natal de uma humanidade reconciliada e capaz de se unir a serviço da vida.  

 

 

 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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