XXI Domingo comum: Jo 6, 61- 70.
Quando a proposta de Jesus é insuportável
Os quatro evangelhos contam que a atividade de Jesus na Galileia se conclui com um momento no qual ele percebe que fracassou em sua missão e decide se afastar do contato mais direto com a multidão. A partir de então, se dedica à formação do grupo mais íntimo dos discípulos e discípulas e conforme Lucas e Marcos, caminha para Jerusalém. No quarto evangelho, a crise é contada como desencanto ou decepção dos discípulos em relação a Jesus. O texto diz que: “Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso? E desde então, muitos voltaram atrás e não quiseram mais segui-lo” (Jo 6,60).
Conforme o texto, o que, nas palavras de Jesus, os discípulos acharam duro e insuportável foi Jesus ter dito que quem não comesse a sua carne e não bebesse o seu sangue não teria a vida eterna. De fato, essas palavras são mais pesadas pelo contexto no qual se inserem. Jesus teria rompido com o modelo de messianismo judaico vigente em sua época e os discípulos compreenderam que teriam de seguir um Cristo pobre, despojado e que se entrega pelos outros, no lugar de lutar e vencer em nome de Deus a luta contra o inimigo.
A reação de Jesus ao desânimo dos discípulos é dupla. Em primeiro lugar, argumenta que se suas palavras são obstáculos para eles o seguirem, muito mais será quando forem confrontados com a cruz e a aparente derrota do Cristo. Depois de ter salientado isso, mostra profundo respeito pela crise dos discípulos. Respeita e pergunta aos doze que ficaram: Vocês também querem ir embora?
A resposta de Pedro, em nome dos doze, é bastante realista. Ele responde: Querer ir embora, queremos, mas para onde? Para quem? Só Tu tens palavras de vida eterna e por isso cremos e sabemos que és o consagrado de Deus.
Hoje, não se compreende uma espiritualidade centrada na dor e na negatividade. Nós mesmos temos imensa dificuldade de aceitar que a palavra e a proposta de Deus pareçam derrotadas no mundo. Compreendemos que a morte de Jesus significou o atestado de derrota para a esperança messiânica que, na época, o povo tinha e era legítima. Se o império romano condenou Jesus à crucifixão, não há dúvida de que ele foi visto como Messias e fracassou.
- Assim, eu trato os meus amigos.
Tereza não hesitou em responder: - Por isso, você tem tão poucos.
Anedotas à parte, todas as pessoas que vivem a fé sabem que, em meio ao caminho, de um modo ou de outro, é comum se encontrar obstáculos e crises. É comum que pessoas que no começo o viviam com entusiasmo, de repente o abandonem.
Não se trata apenas do fenômeno que, no Brasil, o censo diz que cresce mais: o número das pessoas sem religião. Claro que sem religião ou sem Igreja não quer dizer sem fé, ou sem espiritualidade. Menos ainda significa pessoas que abandonaram Jesus. Às vezes, quem abandona Jesus, justamente o abandona por cargos eclesiásticos e por busca de interesse na instituição. Nesse texto do evangelho que ouvimos hoje, a crise e a dificuldade de compreender Jesus não veio dos seus adversários nem dos ateus. Veio dos apóstolos, isso é, do grupo que se considerava mais íntimo.
O maior desafio da fé, até hoje, é não renunciar à esperança messiânica de que o mundo tem salvação e de que as injustiças do mundo podem ser vencidas. Ao mesmo tempo, não é verdade que a palavra e a proposta de Jesus não têm nada a ver com a esperança da libertação política. A proposta de Jesus é o reinado divino no mundo e isso abrange todas as dimensões da vida e não apenas o que chamam de “espiritual”. As Igrejas não podem agir em nome de Jesus se não levam a sério esse desafio.
Vamos continuar teimando na loucura da esperança messiânica e pedir a Deus que nosso modo de celebrar a ceia de Jesus possa testemunhar essa esperança messiânica concreta para o mundo, para as Igrejas e para nós.