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Quando a pesca nao mata o peixe. Liberta-o

V Domingo comum – ano C – Lc 5, 1 – 11. 

Quando a pesca não mata o peixe. Liberta-o.

Atualmente, quando ocorrem desastres ecológicos criminosos,  como derramamento de óleo no mar, ou incêndios na floresta, biólogos e ecologistas entram no mar e pescam não para matar, mas para salvar espécies ameaçadas. De barco, as pessoas vão tirando das águas contaminadas as espécies em risco, sejam aves marítimas, tartarugas, ou peixes. O evangelho lido neste V Domingo comum (ano C), Lucas 5, do verso 1 a 11, conta o chamado dos primeiros discípulos, por ocasião de uma pesca considerada extraordinária, ou mesmo milagrosa. Comumente as pessoas interpretam a pesca milagrosa como imagem da missão dos discípulos e discípulas. Nesse evangelho, Jesus diz: “Eu farei de vocês pescadores de gente” (Lc 5,10). 

Hoje, devemos tomar cuidado em comparar a missão com a pesca, que, em geral, é ruim para o peixe. Normalmente, quem pesca quer o peixe para comer ou vender. Compreender a missão como pesca e o missionário como pescador pode conter algo de violência, de proselitismo, ou de instrumentalização das pessoas.  Na Bíblia, a imagem da pesca tem outro significado. Não deve ser interpretada ao pé da letra. Devemos buscar o espírito que está por trás da letra. A rede que junta muitos peixes é da mesma natureza que a comparação do rebanho que reúne muitas ovelhas, ou da colheita de muitos feixes de trigo ou da cesta cheia de pães. Todas essas figuras querem dizer que o projeto divino é reunir as pessoas, não para a morte e sim para a vida. Na pesca comum, o peixe é tirado das águas e, portanto, morto. Temos de pensar na pesca da qual fala esse evangelho como a pesca que liberta os peixes de águas mortíferas para ser colocado em ambiente favorável à vida. 

 Na pesca messiânica, o peixe é salvo das águas do mundo. Na cultura judaica antiga, o mar era o símbolo das forças do mal. Nesse contexto, só tem sentido “pescar pessoas” se isso significa tirar alguém de um perigo grave, ou ajudar as pessoas a saírem de todas as opressões que as impedem de crescer e desenvolver suas potencialidades. Hoje, o mundo atual se tornou um grande mar poluído e irrespirável, no qual Jesus chama discípulos e discípulas para sermos pescadores/pescadoras de homens e mulheres. Não se trata apenas de libertar pessoas isoladamente e sim de pensar em estruturas de libertação e salvação para o povo e especialmente as categorias mais oprimidas. 

 

Conforme esse relato do evangelho de Lucas, até o episódio da pesca milagrosa, Jesus sempre tinha falado nas sinagogas e ali curava as pessoas. Agora, nesse texto, ele aparece falando à margem do mar, no mundo do trabalho de um povo camponês e pescador (a Galileia da Palestina), para o povão, fora da instituição religiosa (fora dos templos) e é a partir desse momento que ele constitui para si um grupo de vida e missão. Então, um primeiro sentido deste texto da pesca milagrosa é dizer que a missão propriamente evangélica, ou seja, de testemunho do reino de Deus, começa quando se sai do recinto de segurança religiosa como era a sinagoga e se vai à área de risco como o mar era visto na época de Jesus. Era pelo mar que chegavam as naves estrangeiras para guerrear e dominar o povo. É no chão real das relações humanas e sociais que deve acontecer o testemunho do reinado divino e não só nos templos. 

Para a cultura das comunidades do evangelho, a margem do mar significa a abertura ao mundo estrangeiro. Jesus chama e reúne seus primeiros discípulos, ao entrar na realidade da vida e no trabalho de cada um.  Mais tarde, conforme Lucas (Lc 8,1-3), Jesus incorpora algumas mulheres nesse grupo. O texto de hoje não fala de mulheres porque o contexto é de pesca e, na época antiga, a pesca era tarefa exclusivamente masculina. 

 Hoje, no Brasil, temos o excelente trabalho de irmãos e irmãs que constituem o Conselho Pastoral dos pescadores e pescadoras artesanais. Essa pastoral defende as comunidades pobres que até hoje vivem da pesca nos rios, lagos e no mar e resistem à pesca industrial das grandes empresas pesqueiras que ferem o equilíbrio dos ecossistemas, não respeitam o tempo da reprodução dos peixes e exploram as pequenas cooperativas de pesca. O evangelho de hoje nos convida a sermos solidários e solidárias com as comunidades empobrecidas que heroicamente resistem e ainda vivem da pesca artesanal. É importante salientar que Jesus vai ao encontro de cada pessoa no lugar em que esta vive e trabalha. 

 

Na cultura bíblica, a pesca, assim como a colheita da lavoura, são figuras da intervenção definitiva de Deus na história da humanidade. Na imagem da pesca, há duas imagens para acentuar isso. A primeira é a imagem do grande coletivo. Na Bíblia, para falar da transformação que a vinda do Messias realiza no mundo, profetas como Ezequiel usaram como sinal a promessa de que águas estéreis ou sem peixe se tornariam fecundas e cheias de peixes. A mesma simbologia usada pelo profeta levou as primeiras comunidades cristãs a ligarem a imagem da pesca com a missão da Igreja, aberta para acolher muita gente, como grande rede que junta muitos peixes. Ao fazer da pesca uma parábola da missão, é sempre bom recordar que se trata da missão mais ampla do testemunho do projeto divino no mundo e não apenas da missão ministerial interna da Igreja. (Nem sempre as pessoas conseguem distinguir isso). Conforme o relato, a pesca seria o trabalho de Pedro e a ele se juntam dois companheiros, também pescadores, os dois irmãos Tiago e João. Esses três serão os pilares do grupo dos doze: Pedro, Tiago e João. Cada um deles representa um modelo diferente de missão. Não existe um modo único de ser ministro ou de cumprir a missão. Os ministérios são diversos e a missão deve zelar por essa diversidade. Diversidade não significa contradição ou polos opostos. É diversidade de estilos e de funções. 

O que deve ficar claro é que a pesca significa inserção no mundo dos trabalhadores e trabalhadoras e a palavra de Jesus manda avançar para águas mais profundas. Não podemos interpretar essas palavras apenas como apelo à interioridade psicológica de cada um. Embora seja necessário que cada um/uma de nós se situe sempre nas águas profundas do próprio ser para acolher a palavra de Jesus, aqui se trata das águas profundas do mundo real e concreto. Trata-se de se inserir em um mundo, hoje, cada vez mais complexo. Só quando nos colocamos nessa realidade é que podemos testemunhar que seja como for, o projeto divino de salvação está em andamento e este mundo tem cura e pode ser transformado. E “fizeram sinal para companheiros/as de outras barcas fossem ajudar. E eles foram e ajudaram na pescaria” (Lc 5,7) significa que o testemunho do reinado divino deve ser ecumênico e interreligioso. As várias “barcas” culturais com suas diferenças culturais e  religiosas são bem-vindas à missão de testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo.

Missão de todos (todas) nós –

Zé Vicente

                O Deus que me criou, 

               me quis, me consagrou

Para anunciar o Seu amor

Eu sou como a chuva em terra seca

Eu sou como a chuva em terra seca

Pra saciar, fazer brotar
Eu vivo pra amar e pra servir
Pra saciar, fazer brotar
Eu vivo pra amar e pra servir

 

Eu sou como a flor por sobre o muro
Eu tenho mel, sabor do céu
Eu vivo pra amar e pra servir
Eu tenho mel, sabor do céu
Eu vivo pra amar e pra servir

 (Refrão: É missão de todas nós...)


Eu sou como estrela em noite escura
Eu levo a luz, sigo a Jesus
Eu vivo pra amar e pra servir

(Refrão: É missão de todos nós...)

Eu sou como abelha na colmeia

Eu vou voar, vou trabalhar
Eu vivo pra amar e pra servir
Eu vou voar, vou trabalhar
Eu vivo pra amar e pra servir

 (Refrão: É missão de todas nós...)

 

Eu sou, sou profeta da verdade
Canto a justiça e a liberdade
Eu vivo pra amar e pra servir
Canto a justiça e a liberdade

Eu vivo pra amar e pra servir

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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