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"Quando o dia da paz renascer"

XXXIII Domingo comum do ano C: Lc 21, 5 – 19.

Marcelo Barros

 

Assim começa a música “Utopia”, composta por Zé Vicente e tão querida das comunidades. De fato, quanto mais o tempo atual é difícil e a realidade das comunidades é sofrida, mais se torna urgente e fundamental cantar e proclamar a esperança mais profunda que nos move: a utopia de um mundo novo possível. Por outro lado, para quem está lucrando com a realidade atual tem interesse de que essa situação não mude. Para os opressores, mudança social se torna sinônimo de ameaça e o fim da realidade atual na qual eles dominam parece o fim do mundo.

Isso ocorreu com as comunidades cristãs das últimas décadas do primeiro século. Na Bíblia e nas sinagogas, se aprendia que Jerusalém e o seu templo eram sinais e garantias da proteção divina ao povo eleito. Deus tinha selado um compromisso de aliança com Israel e nunca iria falhar. Com essa convicção, não puderam compreender que, nos anos 70, o exército romano invadiu Jerusalém e depois de um cerco cruel, destruiu a cidade e o templo. Para não desanimar na fé e discernir o que Deus queria dizer com isso, as comunidades cristãs procuraram lembrar as palavras que, nos seus últimos dias antes da paixão, Jesus tinha dito sobre o que iria acontecer e como os discípulos e discípulas deveriam ler a história.

Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, Jesus conclui a proclamação do reino de Deus pelo que se costuma chamar de “discurso escatológico”, onde se misturam referências à destruição da cidade de Jerusalém e do templo pelos romanos e, a partir daí, o anúncio do fim da história e dos tempos. Nos evangelhos de Mateus e Marcos, Jesus teria dito essas palavras no Monte das Oliveiras.

Em Lucas, no evangelho que lemos neste domingo, Jesus está no átrio do templo com os discípulos. É ao contemplar as belas pedras da construção do templo que ele faz esse anúncio, no qual aparecem como três momentos ou etapas da história: 1º - a destruição de Jerusalém, 2º - o tempo da missão das comunidades e 3º - a vinda do Filho do Homem que manifestará a plenitude do reinado divino no mundo.

A primeira insistência da palavra de Jesus é que a destruição de Jerusalém pode ter parecido o fim de tudo, mas não era. Ao contrário, mesmo sem o templo, a aliança divina tomaria outra forma de ser vivida.

Agora, estamos vivendo este tempo da missão. É tempo de perseverança e de espera. Se as primeiras comunidades cristãs interpretavam a Palavra de Deus como se o final da história fosse imediato, quase para já, a geração que veio depois e da qual o evangelho de Lucas é testemunha, compreendeu a verdade do que o evangelho de hoje diz: “é preciso que essas coisas aconteçam, mas isso não será ainda o fim”.

O evangelho alude a conflitos políticos e guerras e diz que os cristãos deverão estar metidos nisso: “eles vos perseguirão, vos levarão às sinagogas e às prisões...”. Se os cristãos achassem que o reino de Deus já vem e por isso não devessem ligar para o que acontece no mundo, não haveria motivo para serem perseguidos. Se o tempo é de perseguição, é sinal de que a fé deve ser profecia e vai sempre incomodar a poderosos.  

A fé cristã e o testemunho de Jesus não podem ser vividos como se já tivéssemos um pé na terra e outro no céu. Se fosse assim, o que acontece no mundo não nos diz respeito. Em nome da fé, não é correto os cristãos se descomprometerem com a política e a realidade do mundo. Jesus conclui o seu discurso dizendo: é pela perseverança que vocês serão salvos/as.

O que significa essa perseverança hoje? Perseverança em que? Na caminhada do reino de Deus, no testemunho do mundo novo que, em nome da vida, queremos e na esperança na qual a fé nos confirma.

Na Itália, nosso querido irmão Marco Campedegli afirma:

“Céus abalados, epidemias e guerras: a linguagem apocalíptica usada no evangelho parece em parte a descrição do tempo presente: pelo mundo se multiplicam guerras, a natureza é violentada pela prepotência humana. Lucas valoriza a história, a comunidade e a inserção no mundo. Se você quer ter paz no céu, comece por desarmar as mãos nas trincheiras da terra. Se quiser um céu sem hierarquias, comece a abolir os degraus que distanciam as pessoas. (...) A revolução celeste nasce da revolução terrestre. (...) Pasolini escreveu que toda verdadeira revolução nasce de uma renovação interior”[1].

Neste domingo, o papa Francisco nos convida a celebrarmos “o Dia Mundial dos Pobres”. Não é apenas para falar de pobreza e sim para vivermos essa ânsia da vinda do reinado divino na solidariedade concreta às pessoas que, por sua pobreza e fragilidade, na maioria das vezes, parecem invisíveis em nossa sociedade. Se a revolução celeste nasce da revolução terrestre, essa tem como ponto de partida e como eixo fundamental o cuidado com os mais frágeis da sociedade: o nosso amor e inserção junto aos pobres, pequeninos de Deus.

 

 



[1] - CAMPEDEGLI, Marco, 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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