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Ramos da esperança para a humanidade

                                               Ramos de esperança para a humanidade

 A Semana Santa começa com o Domingo de Ramos. A celebração deste domingo começa pela bênção e procissão de ramos. Neste rito inicial se proclama o evangelho que conta a entrada de Jesus em Jerusalém. O costume de fazer a procissão, na qual todos levam ramos nas mãos, vem da Igreja de Jerusalém. Depois da bênção de ramos e da procissão, a celebração deste domingo retoma a antiga tradição romana do domingo da Paixão. Na eucaristia, além do cântico de Isaías sobre o Servo Sofredor e o hino da carta aos filipenses, se lê o relato da paixão de Jesus, conforme um dos evangelhos sinóticos (neste ano A lemos Mateus). É o único domingo do ano, no qual a liturgia tem dois evangelhos. No começo da celebração, se lê o evangelho de ramos: Mateus 21, 1 – 11. É o relato da entrada de Jesus em Jerusalém que proponho meditar hoje. Meditaremos sobre a paixão de Jesus na  sexta-feira santa[1]

No Brasil, a bênção e procissão de ramos sempre foi um rito muito popular, já que a maioria das pessoas gosta de procissões e quer levar o ramo bento para colocar nas portas ou paredes da casa como sinal de bênção. Atualmente, com a revalorização da espiritualidade ecológica, este rito deve tomar cuidado para não significar corte de árvores e seja, ao contrário, ocasião para uma valorização das plantas e dos ramos como sacramentais do amor divino. Nas tradições afro-brasileiras, os cultos de tradição Yorubá valorizam Ossaim, o Orixá das folhas e das matas e há vários ritos nos quais as folhas são fundamentais. No Candomblé se diz: “Cosi Ewé, cosi Orijá” (Sem folha, não há Orixá). É importante que a bênção e a procissão de ramos possa retomar essas tradições populares e dialogar com essas culturas.   

Com esse espírito de comunhão com as culturas do nosso povo, meditemos o evangelho de Ramos. Conforme João, durante sua vida de adulto, Jesus teria ido a Jerusalém, ao menos três vezes, para as festas mais importantes do ano. Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, Jesus só vai uma vez a Jerusalém e é para celebrar a sua Páscoa e dar a sua vida. Assim, esses evangelhos resumiram várias peregrinações de Jesus em Jerusalém em uma só e contam que Jesus entrou na cidade santa, montado em um jumento e com o povo que vinha do interior e também entrava na cidade, aclamando-o como Messias e Libertador. 

Conforme esses evangelhos, esse fato teria ocorrido quando ele subiu a Jerusalém para celebrar a Páscoa. No entanto, escrevem que o povo o acompanhava agitando ramos nas mãos e cantava versos do salmo 118 (Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana!). Na época de Jesus, esse gesto e esse salmo faziam parte dos ritos não da Páscoa e sim da  festa das Tendas (Sucot), que até hoje, as comunidades judaicas celebram no outono (em setembro) e recorda a caminhada dos hebreus no deserto na esperança da libertação. É uma festa centrada na esperança messiânica, portanto, na fé de que a libertação não foi só do passado, mas na esperança da libertação definitiva e o mais cedo possível. 

 Ao menos uma vez, nessa ocasião da entrada em Jerusalém, Jesus assumiu o papel de Messias que vem assumir o seu reinado, ou seja, vem reanimar a esperança de libertação do povo pobre. Jesus aceitou ser visto como Filho de Davi (descendente do rei) e ser aclamado pelo povo pobre como Libertador... 

Mateus diz que ele fez isso, inspirado na profecia de Zacarias (Zc9, 9- 12). Por isso, entra na cidade não como rei vitorioso, montado em um cavalo branco e cercado de soldados. Jesus entra em Jerusalém, montado em um jumentinho e cercado por lavradores e gente do campo, a maioria pobre e carente. Muitos desse povo esperavam que ele viesse ocupar o trono de um futuro Israel libertado dos romanos. Por isso gritavam: “Filho de Davi!”. 

Não era esse o projeto de Jesus. Por sua atitude e o modo como entrou em Jerusalém, deixou claro: a libertação só virá através dos próprios pobres. Como diz a canção: “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”. 

 Jesus transforma a procissão litúrgica de ramos em marcha social e política dos pobres explorados da Galileia que entram na cidade cantando hinos de libertação como o salmo 118 e gritando Hosana! Parece que historicamente essa expressão aramaica foi mal entendida. A Igreja a interpretou como expressão de louvor. E colocou nas missas: Santo, santo, santo... Hosana nas alturas!. Mas em aramaico, hosana significa “liberta-nos agora”. Não era tanto aclamação de louvor e sim grito quase desesperado de pedido de socorro. 

Diante dessa manifestação social e política de Jesus e do povo da roça, entrando na cidade, as reações da elite da cidade e das autoridades são de receio e rejeição. Medo dos romanos. Medo de serem vistos como aliados dos subversivos do campo. No evangelho de hoje, Mateus diz que “toda a cidade de Jerusalém estremeceu”. O verbo é o mesmo que o evangelho usa para dizer que quando Jesus morreu, a terra tremeu. Lucas diz que os chefes vieram pedir a Jesus que mandasse os discípulos e o povo se calarem. E Jesus responde: Se eles se calarem até as pedras gritarão! Já o povo pobre que o acompanhava conclui que quem está ali é o profeta Jesus de Nazaré da Galileia. Então, Jesus não entra na cidade como rei e sim como profeta. É como profeta da esperança da libertação que ele quer, hoje, ser acolhido na Jerusalém nova que é a nossa vida e nossas comunidades. 

Hoje, nossos ramos sejam como a flor que uma pessoa apaixonada oferece à outra e significa o amor que se partilha. Que possamos assumir a tarefa das pequenas libertações mas que às vezes doem tanto. Pode ser o ramo que é libertar uma palavra que até aqui não sentíamos força de dizer. Pode ser o ramo, sinal de amizade que hesitávamos em fazer. Será sempre o ramo da coragem de sermos generosos. 

Que esses ramos simbólicos vão nos fazendo acumular  energia para as vigílias pela democracia, os bate-panelas para protestar contra o poder que oprime.  Os ramos  revelam o mais importante: pertencemos a uma rede de solidariedade e de comunhão nessa nova Páscoa que vamos celebrar. 

Deixo com vocês um poema do nosso querido patriarca e profeta Dom Pedro Casaldáliga: 

“E chegarei de noite, 

com o feliz espanto, 

de ver, por fim, 

que andei, dia após dia, 

sobre a palma da tua mão”.



[1] - Para quem quiser meditar sobre os relatos próprios da paixão de cada evangelho, coloco a seguir a meditação da paixão de Jesus segundo Mateus, lida no Ano A. 

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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