Hoje, li no site do IHU o artigo publicado e divulgado em todo o mundo pelo cardeal alemão Walter Brandmuller, um dos maiores opositores ao papa Francisco. O cardeal declara que o Sínodo sobre a Amazônia, convocado pelo papa para outubro é herético e apóstata. Herético porque é contra a doutrina tradicional da Igreja e apóstata porque trai a fé e engana as pessoas.
Depois de ler e reler a reflexão do Cardeal, pensei que seria bom partilhar com vocês o que refleti e algumas conclusões que tiro do texto do cardeal. É bom que o cardeal Walter Brandmuller expresse de modo claro e incisivo o que infelizmente, mesmo aqui no Brasil e na Amazônia, não poucos bispos, padres e grupos católicos (estamos falando da Igreja Católica) pensam e entre si chegam a afirmar. De fato, o cardeal tem razão em afirmar que o Sínodo sobre a Amazônia representa certa ruptura com o modelo de uma Igreja Católica Romana que identificou a fé cristã com a cultura ocidental e a impôs em todos os continentes. Ele também tem razão de que a referência principal do documento preparatório do Sínodo (Instrumentum Laboris) não é o conjunto de documentos que a Igreja emitiu no passado. É sim a vida dos povos oprimidos e a sua luta pela sobrevivência e o desafio da sustentabilidade da Amazônia. O documento revela que a boa notícia do reino de Deus (ou seja o evangelho de Jesus) está presente e atuante na caminhada de libertação desses povos e o desafio de uma missão eclesial tem de se realizar a partir dessa realidade.
É claro que algumas coisas ditas pelo cardeal devem ser esclarecidas: Ele parece pensar que a região amazônica diz respeito só ao Brasil. Deve compreender que a Amazônia compreende nove países do continente e não só ao Brasil. O cardeal pode também recordar que o papa que ele sempre cita, João Paulo II, convocou um sínodo sobre a Ásia e se o Sínodo dos Bispos já teve sessões sobre Europa, África e América, por que não pode ter uma sobre uma região assim tão importante e que se constitui como pulmão do mundo?
O Cardeal cita os concílios sem citar nenhum número específico. Além disso, os interpreta a partir de sua exegese de continuidade e tradicionalista. Penso que devemos agradecer a ele a colaboração que dá ao Sínodo, ao provocar discussão mais profunda e de certa forma fazer com que todos nós entremos de forma mais inteira no debate e ajudemos os bispos e demais participantes do Sínodo a escutar a voz e o pensamento não apenas dos que, como o Cardeal, pensam a partir do alto e da tradição ocidental mais do que da palavra de Deus. Para nós, essa Palavra, hoje, vem das bases e dos muitos irmãos e irmãs que participaram das consultas prévias e cujas propostas estão incluídas em muitas das afirmações do documento (Instrumentum Laboris).
Sem dúvida, o cardeal sabe que na Bíblia, quando o profeta Elias pensou em encontrar Deus no Horeb, Deus não se revelou a ele conforme a tradição do Êxodo e sim de forma nova no silêncio da brisa da tarde (1 Reis 19) e quando João Batista mandou discípulos para perguntar a Jesus se ele era mesmo o Messias prometido, já que segundo as Escrituras, ele não parecia corresponder à tradição (como o documento do Sínodo parece ao cardeal não corresponder à tradição), Jesus dá como resposta o fato de que "os cegos veem, os surdos ouvem, os doentes são curados e aos pobres é anunciada a boa notícia do reino da libertação" (Mt 11, 1 - 11).
É preciso ao cardeal e a nós todos estarmos sempre abertos ao novo, ou seja, ao que "o Espírito diz hoje às Igrejas" (Ap 2, 5). Contem comigo nesse diálogo de irmãos.
Abraço do irmao Marcelo Barros