Esse ano começa com notícias negativas sobre medidas governamentais que restringem direitos dos trabalhadores e diminuem as possibilidades de aposentadoria para a maioria do povo. As estatísticas revelam aumento do desemprego e, como se ainda fosse possível, um aumento desproporcional da concentração de rendas. Isso significa, é claro, agravamento da pobreza da maior parte dos brasileiros. Tudo isso contribui para uma insegurança maior nas cidades. Principalmente, nas periferias urbanas, a violência e o tráfico de droga se tornam rotina.
Ao olhar essa situação tão grave, poucos brasileiros, além
dos especialistas em História, se recordarão de que, no dia 06 de janeiro de
1835, explodiu no Brasil a Cabanagem, a maior rebelião popular dos tempos do
Império. No começo do século XIX, o Grão Pará compreendia os atuais estados do
norte do Brasil. Era a maior província brasileira, a mais pobre e isolada. Era
a região brasileira mais ligada a Portugal, tanto que até muitos a chamavam de
"Terra da bela Lusitânia". Apesar de que Dom Pedro I proclamou a
independência do Brasil em setembro de 1822, a província do Grão Pará só a
reconheceu por imposição do governo de Belém, em agosto de 1823. Mesmo assim com
muitas tensões e divisões internas. Todos os cargos públicos e recursos
econômicos eram ocupados por portugueses e seus familiares. A imensa parte da
população da região era formada por gente muito pobre. Eram índios aldeados e
outros já destribalizados, chamados tapuios.
A população negra era de escravos e mestiços que, embora livres, tinham uma
vida mais sofrida do que a dos escravos. Toda essa população em situação de
miséria era vivia amontoada nas beiras dos igarapés, dispersa pelos campos em
torno da cidade e cada vez mais em cabanas infectas que faziam parte da imensa
cidade de palafitas que era Belém. Os "cabanos", como eram chamados
esses pobres, trabalhavam como semiescravos na exploração das plantas (como cravo,
pimenta, plantas medicinais, e baunilha), na extração de madeira e na pesca.
Desde que se falou em independência, o povo exigia a
formação de um governo popular. Os cabanos se uniram a fazendeiros locais e
comerciantes para formar um governo provisório. A tropa de mercenários enviada
pelo império brasileiro reprimiu o movimento. Conseguiu fazer 300 prisioneiros
e os sufocou com cal a bordo do navio Palhaço. Isso provocou ainda mais
revolta. Os cabanos conseguiram a adesão de alguns intelectuais e um ou outro eclesiástico.
E no dia 6 de janeiro de 1835 uma multidão de índios, negros, mestiços e alguns
de classe média irromperam armados na cidade. Apoderaram-se da cidade de Belém,
mataram o governo local e colocaram um governo independente. A partir daquele 6
de janeiro, tropas fieis ao império com apoio de Portugal e da Inglaterra
atacaram violentamente o Pará. Foram cinco anos de uma guerra violenta, até que
o governo central conseguiu reprimir o movimento e matar todos os identificados
com a revolta. Mais de um terço da população foi massacrado. Povos indígenas como
os Murá e os Mauê que participaram da revolta, foram exterminados.
Pode parecer sem importância lembrar uma rebelião popular
ocorrida há 183 anos e em uma região tão peculiar como é o norte do Brasil. No
entanto, a situação dos mais pobres que, naquele contexto do século XIX se
chamavam cabanos, agora se estende pelas periferias de todas as cidades
brasileiras. De norte a sul do Brasil, quem passa pelas ruas se espanta com a
multidão de pessoas em condições de extrema vulnerabilidade, como que jogadas à
própria sorte, acampadas nas ruas e praças. Nesses tempos do governo Temer, a
população de rua se multiplicou. Do mesmo modo, as estatísticas revelam que,
diariamente, nas periferias urbanas, o número de pessoas assassinadas,
principalmente de jovens pobres, a maioria negros, já configura uma realidade
de guerra social. Como esclarece o papa Francisco: "uma guerra em pedaços
e realizada de pouco em pouco". Essa situação de extrema desigualdade e
injustiça social só pode gerar violência e explosão social. Há 50 anos, em
Medellín, os bispos católicos da América Latina denominaram a situação do
continente como uma "violência estrutural".
A revolta dos cabanos tinha como objetivo libertar o Grão
Pará do império brasileiro. Entretanto, o único objetivo que unia a todos era
conquistar o governo. Os revoltosos não conseguiram formular nenhum projeto
social para essa província que, durante cinco anos, governaram. Faltou um programa que organizasse a sociedade
de modo diferente. Atualmente, no Brasil, existem duas frentes de movimentos
sociais que reúnem, cada uma, dezenas de organizações, partidos e entidades da
sociedade civil. Esse ano de 2018 será um tempo de diálogo com todas as categorias
de trabalhadores para que surja daí um projeto alternativo para o conjunto da
sociedade brasileira. Para as eleições desse ano, devemos exigir dos candidatos
um claro programa de governo. Não basta cada um provar que é melhor do que os
adversários. O mais importante é um programa partidário que contenha as
reformas estruturais e pensadas a partir do povo e não do interesse da elite e
das multinacionais.
As pessoas que procuram viver uma espiritualidade
libertadora sabem que, mesmo quando o povo pobre parece um ramo ressequido e sem
vida, uma chuva repentina pode provocar um renascimento libertador. Nesse tempo
de Natal, por todo o Brasil, muitas comunidades cristãs cantaram: "Da
cepa, brotou a rama, da rama nasceu a flor, da flor nasceu Maria, de Maria, o
Salvador".