Romero,
santo por ser humano
Por toda a América Latina, se espalha a notícia: no próximo mês de agosto, Monsenhor Oscar Romero será canonizado, ou seja, o papa o proclamará exemplo de santidade para todos os católicos. Desde o seu martírio, em 24 de março de 1980, as comunidades cristãs da América Latina e Caribe já o chamam de "São Romero das Américas". Em 2000, a Igreja Anglicana colocou no átrio de entrada da Catedral de Londres as figuras dos santos que marcaram o século XX e ali colocaram Oscar Romero, ao lado do pastor Martin-Luther King e do Mahatma Gandhi, considerado um santo da religião hinduísta.
O fato do papa canonizar Romero tem
um valor em si de nos recordar que Deus está com seus profetas, que,
geralmente, em seu tempo foram ignorados e incompreendidos. Quando, em 1977,
Romero foi nomeado arcebispo de San Salvador, capital do país, era um bispo
tradicional, eclesiástico e, de certa forma, ingênuo. Naquele tempo, havia 40 anos, o país estava
mergulhado em uma guerra civil sangrenta. Um governo militar impunha uma ordem social
e econômica que massacrava os mais pobres. Qualquer pessoa que contestasse isso
desaparecia. Na missa de corpo presente
de Romero, o bispo Artur Rivera y Damas afirmou: “Poucos dias depois da posse
do arcebispo, assassinaram o padre Rutílio Grande, um de seus colaboradores
mais próximos. O assassinato do padre, junto com um lavrador e um filho pequeno
provocou uma mudança na atitude de Dom Romero. A partir daí ele mudou e passou
a assumir a defesa dos perseguidos e a denunciar o que estava ocorrendo no país
”. Jon Sobriño, amigo do arcebispo e teólogo, declarou: “Em geral, com 59 anos,
as pessoas se acomodam em suas estruturas mentais, principalmente quando se recebe
cargo de poder, como é o caso de um bispo. Ao contrário, Romero foi capaz de mudar
de pensamento e de modo de vida. Mudou o modo de ser bispo”.
Pouco dias depois do martírio
de Romero, Jon Sobriño escreveu: “Ainda que me pareça simples ou estranho dizer
isso, Romero foi um homem que acreditou em Deus ”. Hoje, essas palavras de
Sobrino, ao insistir que um bispo católico acreditava em Deus, ganham mais
força ainda. Sobrino reflete sobre o que
significa “crer em Deus” e que consequências essa fé teve para a vida de Romero.
Ele teve a coragem de crer em Deus, desfazendo as imagens de Deus unidas ao
poder e ao status-quo. Para Romero, crer em Deus significou assumir
radicalmente a causa de Deus, a vontade divina. Na Universidade de Louvain, o
arcebispo declarou: “Estar a favor da vida ou da morte. Não há neutralidade
possível. Ou servimos à vida, ou somos cúmplices da morte de muitos seres
humanos. Aqui se revela qual é a nossa fé: ou cremos no Deus da vida, ou usamos
o nome de Deus, servindo aos algozes da morte”.
Monsenhor Romero trabalhou por mudanças
de estruturas no país. Dizia que a pobreza extrema dos lavradores tocava no
coração de Deus. Quando se nega a dignidade do ser humano se nega a existência
de Deus. Por causa disso, depois de várias ameaças de morte, na tarde de 24 de
março de 1980, Romero foi assassinado, quando celebrava a missa em uma capela
de hospital da cidade.
O assassinato do arcebispo chamou a atenção do mundo todo. Provocou uma
tal consciência mundial sobre a realidade iníqua de El Salvador que, alguns anos
depois, a ditadura caiu. Desde alguns anos, o povo consegue eleger governos
democráticos e mudar, em alguns aspectos, a estrutura da sociedade. A realidade
do país continua sendo de grande desigualdade social. No entanto, ao menos, a
violência do Estado foi superada e El Salvador vive um processo de integração
no continente latino-americano e busca restabelecer a justiça para o povo
empobrecido.
Nesse momento, o papa Francisco insiste que bispos e padres recoloquem a Igreja no caminho da profecia e deem prioridade à solidariedade aos mais empobrecidos do mundo. A figura de Oscar Romero é símbolo de um profeta dos pobres e mártir da justiça. Até hoje, em nosso continente, resoam as palavras que no domingo, véspera do seu martírio, Monsenhor Oscar Romero falou em sua homilia: “Frequentemente tenho sido ameaçado. Como cristão, não creio em morte sem ressurreição. Se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho” (…) Ofereço a Deus o meu sangue pela libertação e pela ressurreição do meu país. O martírio é uma graça que não creio merecer. Mas, se Deus aceitar o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e o sinal de que, em breve, a esperança se tornará realidade. (…) Um bispo vai morrer, mas a Igreja de Deus que é o seu povo não morrerá nunca".