Marcelo Barros
Neste domingo, no Brasil, a
Igreja Católica e algumas outras Igrejas celebram a festa da Ascensão de Jesus.
O trecho do evangelho que escutamos é o
final do evangelho de Lucas (Lc 24, 46- 53). É o único evangelho que fala propriamente
em Ascensão (ele foi elevado) e faz
isso para sublinhar que Jesus foi como absorvido por Deus. Na pessoa de Jesus,
Deus assumiu toda a humanidade. Tornou divino tudo o que é humano. O evangelho de
Lucas finaliza dizendo que “os discípulos
(e discípulas) voltarama Jerusalém com grande alegria e permaneciam sempre no templo, bendizendo
a Deus” (Lc 24, 53).
Nesse
versículo, Lucas retoma os grandes temas do evangelho. Na época, as comunidades
cristãs ainda se sentiam ligadas ao Judaísmo. Não pensavam ser uma religião
nova. O evangelho respeita essa inserção cultural e religiosa. Ao contrário,
manda que “fiquem na cidade até serem
revestidos com a força vinda do alto”. Então, eles e elas deviam permanecer
em Jerusalém, isso é, inseridos na sua cultura e na sua história para receber o
Espírito Santo e a missão de ser testemunhas da ressurreição e da reconciliação
de Deus com toda a humanidade. Hoje, ainda há pessoas nas Igrejas (ministros)
que reagem muito negativamente ao fato de que irmãos e irmãs de comunidades
afrodescendentes ou indígenas se declarem cristãos, sem deixar sua pertença
tradicional à tradição espiritual negra ou indígena. Como se a fé cristã fosse
produto comercial e exigisse exclusividade.
O evangelho
sublinha que os discípulos e discípulas receberam de Deus o dom da alegria, uma
alegria messiânica, imensa e profunda que só pode vir da fé. E este dom divino
da alegria precisa ser exercitado. Na exortação Evangelii Gaudium, o papa
Francisco nos ensina: “A alegria do
Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus.
Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria”. Mesmo em meio a
sofrimentos e ao martírio, essa alegria, dom do Espírito, deve se constituir a
característica de quem quer ser testemunha da ressurreição de Jesus.
Lucas insiste
que eles e elas permaneceram no templo diariamente bendizendo a Deus. A função
do templo era oferecer sacrifícios e não louvar e bendizer. A comunidade de
Lucas muda a natureza do templo para uma função mais gratuita e amorosa:
bendizer a Deus. Bendizer a Deus é dizer bem da vida, é festejá-la e referi-la
ao Espírito. É proclamar que todas as criaturas testemunham sua presença e o
seu amor fiel. Infelizmente, até hoje, existe um modo de viver a fé cristã que
testemunha um Deus mesquinho, discriminador e amigo só dos seus amigos. Quem
vive esse tipo de espiritualidade fala mal do Deus de Jesus.
Finalmente, Lucas
insiste na inserção dos discípulos e discípulas na realidade social e política
do mundo. O fato de Jesus ter ressuscitado e estar na glória do Pai não nos
tira da História. No relato dos Atos dos Apóstolos que tomamos como primeira
leitura, os anjos perguntam aos apóstolos: Por
que vocês ficam olhando para o céu? Não adianta. Olhem para a terra e vão
cumprir a missão de vocês sendo testemunhas disso no meio do mundo e na
inserção concreta aqui e agora.
Nossa função de
cristãos/ãs é ser testemunhas do projeto divino acontecendo no mundo em meio
aos fatos e situações da nossa história concreta. Para isso, contamos com a
força do Espírito em nós e conosco. Jesus não partiu. Deixou de ser visto para,
através do seu Espírito (o Espírito Santo), estar dentro deles e delas. É
importante observar que ele se torna invisível à medida que abençoa os
discípulos. Para nós, hoje, nessa realidade brasileira, o que significa pensar
que Deus assume e, assim, torna divinas
nossas lutas e nossas dores, nossa fragilidade e nossas esperanças?
Este evangelho nos
confirma na opção de que, quanto mais humano formos, mais manifestaremos essa
presença do Espírito de Deus Amor em nós. Isso tem relação com o que, na carta
aos efésios, Paulo afirma quando propõe “chegarmos
ao estado de adultos/as, à estatura do Cristo, em sua plenitude” (Ef 4,
13).
Esse é o objetivo
prometido e desejado por Deus e que está ao alcance de todos nós: a plena
maturidade humana, até atingirmos a estatura do Cristo, em sua plenitude. É
isso. Mesmo se percebemos que ainda falta muito para alcançarmos isso, devemos
renovar a confiança de que, apesar dos bloqueios e dificuldades que nós mesmos
criamos, Deus vai completar em nós o que Ele mesmo começou. E essa maturidade à estatura do Cristo em sua
plenitude, não se refere apenas ao aperfeiçoamento pessoal de cada um/uma. Indica
a vocação da humanidade, na qual o Espírito de Deus se insere e vai
transformando. Mesmo se a realidade social e política do mundo parece desmentir
isso, é nossa vocação não abrir mão dessa fé.
Durante esses próximos dias, antes de Pentecostes, no lecionário litúrgico, a Igreja nos faz escutar a oração sacerdotal de Jesus. Nessa oração, Jesus pede ao Pai que os sinais de amor, que na vida, ele, Jesus, tinha feito ao curar pessoas e testemunhar o projeto divino de vida para todos, a partir de agora deveria ser dado pelos discípulos e discípulas se aceitarem ser unidos/as. Jesus orou: “Que eles/elas sejam como uma só pessoa, como eu e Tu somos Um, assim também que sejam Um para que o mundo creia” (Jo 17, 20- 22). Há mais de um século, a Igreja nos convida para, nessa semana entre a Ascensão e Pentecostes, viver a Semana de Oração pela Unidade das Igrejas Cristãs. No Brasil, essa semana é promovida pela CNBB e pelo CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs). É no caminho da unidade e no diálogo com todas as culturas e religiões que podemos testemunhar que Deus assume o Cristo Ressuscitado e este se manifesta a nós em todos os processos de construção de uma humanidade renovada em comunhão com todo o universo.