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Saídas onde tudo parece fechado

XVI Domingo Comum: Mt 13, 24- 43. 

Para se ver saída onde tudo parece fechado.

           Neste domingo (o XVI do ano A), o texto evangélico lido nas comunidades (Mt 13, 24 – 43) nos traz três parábolas, cujo contexto histórico se perdeu. Ninguém sabe exatamente quando, onde e como Jesus disse essas parábolas, nem se as contou no mesmo momento, ou se foram reunidas em um discurso único pela comunidade que escreveu o evangelho. 

Vamos tentar compreendê-las, a partir da última delas. É estranho Jesus comparar o reinado divino com uma mulher que coloca fermento no pão. Para os religiosos daquela época, pelo fato de ter regras e derramar sangue, a mulher era considerada impura. Comparar o reinado divino com alguma ação de mulher ia contra a cultura religiosa vigente. Pior ainda que Jesus diz que a mulher colocava fermento no pão. Para o antigo Judaísmo, fermento era símbolo de corrupção e pecado. Até hoje, na festa da Páscoa, nas casas judaicas, se procura qualquer mínimo resto de fermento para jogar fora. O pão pascal deve ser sem fermento. Então comparar o reinado divino com fermento  escandalizava aos religiosos do templo. 

                Aliás, Jesus fez várias comparações que hoje chamaríamos de “politicamente incorretas”. Por exemplo, comparar o reino dos céus com um ladrão que assalta uma casa (Mt 24, 43) ou com gerente desonesto (Lc 16) ou empregador que paga igual aos lavradores que trabalharam só uma hora aos que trabalharam o dia inteiro (Mt 20, 2 ss). Essas comparações têm em comum um fato: o reino de Deus não liga para os valores da sociedade dominante. Ao contrário, destrói a ordem vigente. 

 

               A segunda parábola contada por Jesus é a do joio e do trigo que depois, a comunidade de Mateus procura alegorizar (vers. 24- 30 e 36 - 42). Essa é a única parábola do evangelho da qual Jesus dá uma explicação apocalíptica. É ele mesmo quem diz: “esperem o final dos tempos. Só então, os injustos serão separados das pessoas justas”.

Aí o maior risco parece ser dividir as pessoas entre boas e más. E é lamentável comparar Deus com fazendeiro rico que tem servos (escravos) e ainda afirmar que Deus castiga os maus com o fogo eterno. Isso vem da interpretação literal ou fundamentalista da parábola. Nesse modo de entender, Jesus teria dito que o reino dos céus é comparado ao trigo e o diabo é quem semeou o joio. As Igrejas primitivas, como a comunidade de Mateus nos anos 80, interpretaram assim. E essa interpretação se tornou a única na história das Igrejas. Está em quase todos os comentários. No entanto, de acordo com alguns estudos, como os de Jonhn Dominic Crossan  (Ver, por exemplo, Jesus Histórico, Vida de um camponês judeu do Mediterrâneo, Ed. Imago, 1994), é possível que na palavra original de Jesus, o sentido não fosse esse. Para compreender isso, precisamos tentar redescobrir o contexto histórico possível, no qual Jesus teria feito essa comparação. É tentativa aproximada, porque ninguém tem certeza absoluta. 

Sem dúvida, o contexto da parábola é uma situação de crise pessoal de Jesus. Ele se sentiu incompreendido e rejeitado por criticar o sistema político e religioso do seu tempo. Tentava explicar porque tinha anunciado o reino e, aparentemente o reinado divino não tinha chegado ainda. As pessoas cobravam dele. Estudiosos como Jon Sobrino chamam esse momento pelo qual Jesus passa de crise galilaica. 

 

              Se o contexto é esse, o fazendeiro que planta o trigo seria o sistema dominante do mundo e não Deus. Ao contrário de como a comunidade de Mateus e a maioria das Igrejas sempre a entenderam, o reinado divino seria justamente o adversário do império ou do sistema. Deus vem estabelecer o seu reinado, de repente, durante à noite, como ladrão que aparece sem ninguém prever (Mt 24, 43). Assim também, nessa parábola, Deus é o inimigo que vem e joga no campo a erva daninha. Ninguém pode contra o joio. Não adianta tirá-lo. Ele é venenoso e contaminaria todo o trigo. Só na hora de colher, se pode separar. Se a interpretação original for essa, Jesus está afirmando que o reino vem de qualquer modo. Vem e ninguém pode fazer nada contra. Essa interpretação vai na mesma linha do que vai explicar a parábola do grão de mostarda. 

               No mesmo livro (Jesus Histórico, Vida de um camponês judeu do Mediterrâneo), Crossan mostra que, provavelmente, Jesus se referia a um tipo de mostarda que não era plantada. Era a mostarda selvagem, que crescia mais do que as outras hortaliças (Os pássaros podem se aninhar em seus ramos). Era praga. De acordo com documentos antigos, os fazendeiros faziam de tudo para se livrar dessa mostarda e não conseguiam. A semente de mostarda era a menor de todas e era teimosa e dura de arrancar. Vem como praga e quando cresce, abriga os pássaros que comem a plantação e, portanto, prejudicam o fazendeiro. Nenhum fazendeiro quer pássaros na plantação. Portanto, Jesus está novamente insistindo que o reinado divino é incômodo. É  como praga na lavoura. Quando a semente cai na terra, não tem jeito. Ninguém consegue arrancar. Na visão de Jesus, explicada aos discípulos nesse capítulo, (Mt 13, 10 em diante), parábola não é para ser compreendida. Deve ficar como enigma na cabeça e no coração das pessoas.

 

Mais de 50 anos depois, já em outro contexto, a comunidade que escreveu o evangelho interpretou a parábola do joio e do trigo como se Jesus tivesse insistido na tolerância e também releu a parábola do grão de mostarda como se o assunto fosse a paciência. É normal que, no decorrer dos tempos, o mesmo texto vá recebendo diversas interpretações. Aqui se encontra sim a mensagem de tolerância de Jesus e o fato de que trigo e erva má devem conviver até o final dos tempos. De fato, o reinado divino se desenvolve no meio das ambiguidades da vida e da história. A erva daninha só deve ser separada do trigo e arrancada na época da colheita.  No entanto, parece que Jesus queria sublinhar mais outra coisa: o caráter persistente e invencível do reino dos céus. O próprio evangelho coloca a parábola da semente de mostarda imediatamente depois da parábola do joio e do trigo e junto com a parábola do fermento. São parábolas que, de um jeito ou do outro, insistem que o reinado divino é persistente. Quando chega, ninguém consegue destruí-lo. Como praga no campo ou como o fermento na casa, o reino rompe com todas as estruturas da sociedade e dá resultado bom de algo que ninguém espera transformação. 

                Hoje, no mundo, vivemos um contexto social e político desafiador. Também para hoje, o evangelho nos garante que o reino é como o joio que o fazendeiro não consegue tirar do meio do trigo. É como a mostarda selvagem que cresce mais do que as outras hortaliças e ninguém consegue eliminar. Vamos em frente e com confiança. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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