Discípulos/as no martírio nosso de cada dia
Nesse domingo, retomamos a leitura semanal do evangelho de Lucas. Dessa vez, ouvimos o relato da avaliação que, com o grupo mais próximo e mais íntimo dos discípulos e discípulas, Jesus fez quando se sentiu em crise e deixou a Galileia e o trabalho com as massas. (Lucas 9, 14- 28. Jesus percebe que a missão dele com a massa não tem dado os efeitos esperados. A vinda do reino não parece tao imediata. Jesus se sente meio fracassado. Pode ser consolador pensar que Jesus também enfrentou momentos de crise e de crise de vocação.
Nos momentos marcantes de sua missão, Jesus leva os discípulos e discípulas (vimos no capítulo 8 que algumas mulheres o seguiam desde a Galiléia) a um lugar afastado. Lucas sublinha que Jesus foi para orar e, no contexto da oração, propõe aos discípulos uma espécie de avaliação ou revisão de vida e missão com os discípulos. Ele faz a pergunta fundamental para toda pessoa que quer segui-lo: “Quem sou eu para vocês?”.As respostas são variadas. A referência do povo é sempre a da tradição dos profetas e dos antigos. Através de Pedro, os discípulos o reconhecem como Messias, em hebraico “O enviado de Deus”, em grego “Cristo”, ou seja, o ungido ou consagrado de Deus.
Na época, havia entre o povo e na sociedade religiosa hebraica, diferentes concepções sobre o Cristo. A mais comum era que o Messias seria um novo descendente de Davi que viria restabelecer o reino de Davi, libertar Israel dos romanos e concretizar as promessas que Deus fizera na Bíblia de que o povo poderia ter sua terra livre, poderia viver em justiça. As nações estrangeiras seriam julgadas, etc. Essa parece ser a concepção dos discípulos. Não é a de Jesus.
Naquela sociedade antiga, era perigoso aparecer como Messias. É natural que Jesus tenha ordenado que não contassem a ninguém. Para ele mesmo, esse caminho nem sempre foi claro. Sobre isso, ele passou por muitas tentações. O evangelho conta isso resumindo tudo na narrativa da tentação no deserto. Durante toda a sua vida ele se debateu com essa questão que continua para muitos de nós o desafio permanente: como realizar a missão?Conforme este evangelho, é na oração que Jesus descobre o que Deus quer que ele faça (Cf. v. 18).
Nesse momento de crise e de avaliação com os discípulos, Jesus adverte de que sua missão deve passar pelo sofrimento e pela morte. Há quem interprete as palavras de Jesus: “O Filho do Homem deve sofrer muito...” no sentido fatalista, como se fosse o destino (a sina) de Jesus e ele devesse cumprir, custe o que custasse. Ou ainda como se Deus exigisse o sofrimento e a morte do seu Filho para reconciliar-se com o mundo. Não podemos crer nisso. Seria um Deus cruel e vingativo. O contrário de um pai que nos ama com amor maternal e gratuito. Se Jesus vai ter de assumir a morte não é porque “Deus quer”. É porque, no mundo, do jeito que é, não dá para assumir a missão de testemunhar o reinado de Deus, sem aceitar as consequências dessa missão, ou seja, a rejeição da sociedade e a violência com a qual a classe dominante trata quem se arrisca a transformar a realidade.
Essa visão do consagrado de Deus atordoou os discípulos e os evangelhos mostram que nenhum deles entendeu como Jesus podia aceitar essa missão. O que tem a ver atuar em nome de Deus e ser derrotado e morto na cruz? Para eles, ser condenado à cruz era justamente o contrário: sinal de que a pessoa não era de Deus porque se fosse de Deus, Deus o teria protegido e libertado... Essa visão do consagrado de Deus atordoou os discípulos e os evangelhos mostram que nenhum deles entendeu como Jesus podia aceitar essa missão. O que tem a ver atuar em nome de Deus e ser derrotado e morto na cruz? Para eles, ser condenado à cruz era justamente o contrário: sinal de que a pessoa não era de Deus porque se fosse de Deus, Deus o teria protegido e libertado...
Jesus percebe isso mas lança o chamado mais exigente para quem quiser ser discípulo ou discípula. Quem quiser me seguir pegue também a sua cruz e me siga...O conteúdo do que Jesus propõe é o enfrentamento social de uma sociedade injusta e opressora. A cruz era o castigo reservado pelos romanos aos escravos rebeldes. Segui-lo no caminho da Cruz significava testemunhar que a vitória do projeto divino no mundo se dá mesmo que o sistema dominante massacre os profetas e profetizas que ousam desafiá-lo como Jesus fez.
Atualmente, a compreensão dessas palavras foi reduzida ao aspecto individual, moral e religioso. E a cruz foi compreendida como o sacrifício necessário para se cumprir a missão religiosa.
Para levar às últimas consequências a proposta do papa Francisco de ser uma Igreja em saída, é necessário que assumamos a missão social e político-libertadora de sermos testemunhas e construtores/as de um mundo novo possível em nome de Jesus e com o mesmo amor e doação com os quais ele se entregou. É esse o chamado divino para nós, hoje.