2º Domingo da Páscoa
Jo 20, 19-31
Portas fechadas, Presença inesperada
Marcelo Barros
Neste 2o Domingo da Páscoa, o evangelho lido hoje nas Igrejas (João 20, 19- 31) revela que todas as vezes que nos reunimos no nome de Jesus refazemos e atualizamos aquele encontro dos discípulos com o Ressuscitado. Eles estavam reunidos em uma sala de portas fechadas, com medo dos sacerdotes e doutores da Bíblia. Atualmente, vivemos em um mundo dominado por guerras (nesta semana uma reportagem falava em 28 guerras maiores e 60 conflitos internos em países e o saldo de pessoas mortas é enorme), organizado para sistematicamente impedir milhões de pessoas a viverem uma vida digna e com seus direitos humanos reconhecidos. Para triplicarem seus lucros e ampliarem sempre mais o seu luxo, a elite de menos de 1% da humanidade precisa manter bilhões de pessoas em situação de semi-escravidão. No Brasil, nesta semana, o vice-presidente da República declarou rindo que os militares denunciados como torturadores na época da ditadura são heróis e que heróis matam.
Conforme este evangelho, naquele domingo, a pequena
comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus estava reunida de portas
fechadas. Hoje, é o mundo inteiro que vive de portas fechadas. Nossas cidades
são marcadas pelos muros altos dos edifícios nos quais as pessoas se aprisionam
com chaves e senhas de portões eletrificados e nos bairros de periferia, as
portas fechadas com medo de milícias e gangues. Cada país fecha de mais a mais
suas fronteiras contra migrantes e refugiados. Diante deste cenário, vivemos em
um mundo sob o domínio do medo.
A boa notícia deste evangelho é que mesmo com todas
as portas fechadas, Jesus Ressuscitado se deixa ver pelos discípulos e lhes
traz a Paz, a alegria e a reconciliação para iniciar uma nova missão. O Cristo
vivo vem e se insere em nossa realidade e não há portas fechadas que impeçam a
sua presença. Ele se deixa ver. Só precisamos despertar para a sua presença.
Neste evangelho, o que, em primeiro lugar, o
Ressuscitado mostra aos seus amigos e amigas são suas chagas. Não mostra um
corpo glorioso e etéreo e sim as chagas da cruz. É o curador ferido. Ele
ressuscita desse modo: revelando as feridas que têm no corpo e na alma. Assim,
nos ensina o caminho da ressurreição. Pede que vençamos o medo e a vergonha e
aceitemos revelar nossas feridas interiores. Deixemos que os amigos e amigas
possam tocar e cuidar de nossas feridas. Apesar de, pessoalmente, ter muita
dificuldade de viver isso (aceitar ser cuidado), só quando assumimos nossas
chagas e aceitamos que os amigos/as cuidem delas, é que podemos viver a
experiência da ressurreição. Só assim, podemos anunciar um modo novo de viver
ressuscitados. Assim, as chagas, do Ressuscitado e as nossas, se tornam como
que chagas luminosas. É ao reconhecer Jesus vivo nas pessoas feridas, que os
discípulos se enchem de uma imensa alegria, como a alegria que Jesus havia
prometido na ceia quando disse: "Hei de ver vocês outra vez e vocês se
encherão de uma alegria tal que ninguém poderá tirar de vocês essa
alegria" (Jo 16, 20).
Este domingo é como o oitavo dia
da ressurreição. Assim como Tomé era discípulo, mas não estava com o grupo no
primeiro domingo, também nós não estávamos. Tomé nunca aceitou Jesus ter vindo
a Jerusalém e deixou claro no capítulo 11 que ele estava ali forçado.
Acreditava em um Jesus, enviado de Deus, mas sem cruz.... E agora não
acreditava mais. Os outros tinham medo, tinham dúvidas, não sabiam se
acreditavam ou não, mas seja como for, ficaram juntos em uma sala fechada...
Tomé, não. A fé dele era individualista, era eu e Deus... Queria ser discípulo
de Jesus, mas sem comunidade. Com os outros, ele não se dava. E não previa
cruz, chagas. (Só se eu tocar nas chagas dele, vou crer que isso é assim, é
real).
No oitavo dia da ressurreição, portanto, no domingo de hoje, Jesus se
deixa ver e se deixa tocar... Ao se mostrar aos discípulos, mesmo com portas
fechadas, não mostra nenhuma luz especial. Não fala de vitória nenhuma. Não
voa, nem parece ter nada de especial... Mostra as chagas e pede que Tomé toque
e veja o sangue ainda correndo na ferida que tem no peito nu. Só quando a gente
tem coragem de mostrar as nossas feridas interiores e sociais), parece que a
vida pode se recompor e - se tornar nova...
Jesus ressuscitado
ressuscita os discípulos. Faz eles passarem do medo à liberdade, à paz, à
alegria e ao perdão. Hoje, Ele nos convida para reconstruir as nossas vidas,
através do perdão a nós mesmos e aos outros. A ressurreição de Jesus se renova
para nós hoje. Como Tomé, podemos tocar nas chagas do Ressuscitado nas pessoas
feridas pelas injustiças da vida.
Tanto na época em que o evangelho de João foi
escrito, como nas Igrejas e no mundo de hoje, muitas pessoas creem em um Cristo
aéreo, celestial e pouco humano. Nós, da caminhada do Cristianismo Social e
Libertador, proclamamos a fé em um Jesus histórico, real, com corpo e com
chagas. É diante do ser humano meio nu, ferido e sangrando, que fazemos como
Tomé, nos prostramos e dizemos: Meu Senhor e meu Deus. Se não formos capazes de
fazer isso diante das pessoas concretas, cada uma com suas feridas, não testemunhamos
a ressurreição de Jesus.
Tocar nas chagas de Jesus é tocar nas chagas da humanidade hoje e ser
capaz de reconhecer a presença do Espírito nas vítimas da sociedade atual. E
são tantas pessoas. As pessoas que, neste momento, nos diversos serviços, vivem
a solidariedade e cuidam dos outros tocam nas chagas de Jesus e testemunham
ressurreição. Deixemos que os povos originários, cuja semana
celebramos agora, entrem na sala onde estamos fechados e nos mostrem suas
feridas. São ressuscitados porque resistem há mais de 500 anos e nos ensinam
lições de resistência. Suas feridas são provocadas pela mesma doença que atinge
toda nossa sociedade: ambição e o desamor.
Acolhendo-nos uns aos outros/umas às outras como presença do Cristo
Ressuscitado, podemos experimentar, mesmo em meio às dores e aos medos
justificados de cada dia, uma imensa alegria, a mesma alegria que os discípulos
sentiram ao ver o Ressuscitado e a plena reconciliação conosco mesmos, uns com
os outros e com Deus. Amém. Aleluia.