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Sinais de gravidez de uma humanidade nova

Sinais de gravidez de uma humanidade nova

               Nesse 4º domingo do Advento (do ano A), as comunidades escutam como evangelho Mateus 1, 18- 24. É o anúncio do Anjo do Senhor a José a respeito da gravidez extraordinária de Maria e da necessidade de que ele, José, a acolha e lhe garanta respeitabilidade em uma sociedade patriarcal. Para cumprir as escrituras e as promessas divinas, José, sendo da descendência de Davi, deve dar o nome ao filho que vai nascer. Jesus será chamado filho de José. 

Uma leitura fundamentalista desse texto se centra no fato de que “a virgem concebeu sem relações com nenhum homem, por obra do Espírito Santo”. Do outro lado, na sociedade secularizada de hoje se lê isso como uma espécie de história de fadas para crianças. 

A proposta justa é reconhecer que os evangelhos da infância de Jesus (Mateus 1- 2 e Lucas 1 – 2), acrescentados ao texto original dos evangelhos, foram redigidos como midrash. Isso significa que são comentários narrativos de textos do primeiro testamento e não relatos históricos. No caso desse evangelho, o evangelista comenta Isaías 7 para mostrar que no nascimento de Jesus se cumpre plenamente a profecia de Isaías ao rei Acaz. No tempo de Isaías, o anúncio era de que uma jovem tinha engravidado do rei e esse terá um filho (Ezequias) que seria considerado Emanuel, isso é, sinal da presença divina no meio do seu povo (Deus conosco). O sinal de que Deus estaria com o seu povo seria o fato de que antes de que o príncipe Ezequias crescesse, os dois impérios (Assíria e Egito) que ameaçavam o povo de Deus estariam derrotados e o povo teria paz. Mateus traduz o termo hebraicojovem pelo grego virgem e usa o texto de Isaías para justificar o nascimento milagroso de Jesus, o novo Emanuel: Deus conosco.  

A tradição cristã, influenciada por uma cultura estrangeira à Bíblia sublinhou a virgindade de Maria para exaltar a sua pureza e acentuar certo desprezo da corporalidade. É provável que o evangelista tenha chamado Maria de virgem como símbolo da pobreza de Israel, dependente dos impérios estrangeiros (na época do império romano) e sem esposo, já que havia rompido a aliança com Deus. A própria Maria, quando recebe de Isabel a notícia de que vai ser mãe do Messias, reage cantando: “Deus olhou para a pobreza (ou humilhação) de sua serva”.  Em uma sociedade patriarcal, a humilhação de Maria era ser virgem e sem marido. No entanto, nesse contexto, ao escolher Maria, Deus revela que rompe com o patriarcalismo e começa uma nova história. Hoje, as comunidades podem cantar: “Da cepa brotou a rama, da rama brotou a flor, da flor nasceu Maria, de Maria o salvador”.   

Quando o evangelista escreveu esse texto, Jerusalém tinha sido destruída (anos 80). Não havia mais templo e parecia não haver mais esperança para o povo da promessa. É nesse contexto que o Anjo do Senhor fala a José. O Anjo do Senhor é como os textos bíblicos falam da manifestação de Deus a Abraão, a Moisés e aos profetas. O Anjo do Senhor é a Palavra de Deus (não é como em Lucas, o anjo Gabriel). É o anúncio de uma nova aliança na qual Deus está conosco e em nós. 

As condições sociais e políticas da nossa realidade são diferentes daquelas nas quais Mateus escreveu esse texto. No entanto, assim como o império romano tinha praticamente destruído a experiência do Israel mais livre (depois dos Macabeus), o império de hoje destrói as experiências de liberdade e autonomia no Brasil e em toda América Latina. Na época de Mateus, Soter  (Salvador) era o título que o imperador Vespasiano se dava. O evangelho nos aponta que a verdadeira salvação vem de comunidades pobres e impotentes (virgem) que engravidam de um projeto novo de vida e de libertação. Por mais dura e escura que parece a realidade atual, o evangelho de hoje nos convida a descobrir onde está surgindo a gravidez desse mundo novo que irrompe no meio de tanta estupidez e crueldade e nos dá a graça de sentir e testemunhar que Deus é Emanuel, Deus conosco.

Nesses dias, na agenda latino-americana havia uma nota histórica: Nesse dia, em 1770, a corte de Portugal determinou que os índios do Nordeste deviam ser expulsos de suas aldeias e os seus povos declarados extintos. Atualmente, em todos os Estados do Nordeste as etnias indígenas retomaram suas aldeias. Refazem o seu modo de viver comunitário, recuperam suas línguas e, apesar de toda perseguição, são para nós testemunhas de que Deus é Emanuel, Deus conosco e em nós.  

Que alegria podermos, cada um/uma de nós, escutar hoje o Anjo do Senhor que faz de nós novos José e nos pede que acolha as Marias grávidas da novidade de Deus no mundo como sendo ação do Espírito Santo. Assim como José com Maria grávida, temos de proteger e cuidar dessa gravidez de uma humanidade nova, onde quer que ela se manifeste.  

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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