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SINAIS DE GRAVIDEZ DE UMA HUMANIDADE NOVA - ​4º Domingo do Advento

4º Domingo do Advento – Mt 1, 18-24

Marcelo Barros

Neste 4º domingo do Advento (do ano A),  escutamos como evangelho Mateus 1, 18- 24. É o anúncio do Anjo a José a respeito da gravidez extraordinária de Maria e da necessidade de que ele, José, a acolha e lhe garanta respeitabilidade em uma sociedade patriarcal. 

Como explicar o que a tradição cristã chamou de "gravidez virginal de Maria"?  Ou basta, simplesmente, afirmar que é motivo de fé e por mais estranho que pareça, devemos crer e pronto?

 Uma leitura fundamentalista desse texto se centra no fato de que “a virgem concebeu sem relações com nenhum homem, por obra do Espírito Santo”. Em 1966, em Roma, Dom Helder Camara viu o filme "O evangelho segundo Mateus" de Pasolini e se comoveu muito com a primeira cena, justamente, esta que lemos hoje. As primeiras imagens do filme de Pasolini, com a música clássica de Mosart, seguida por um cântico dos negros (espiritual) do sul dos Estados Unidos e depois o Glória da Missa Luba (do Congo), dão ao texto do evangelho uma nova luz, não como relato histórico e sim como narração simbólica. 

Como todas as pessoas que se amam, principalmente se são jovens, José e Maria têm sonhos. No entanto, muitas vezes, ocorre que uma gravidez inesperada pode acarretar mudanças nos planos do casal. Conforme este evangelho, a gravidez de Maria, antes que ela e José tivessem coabitado, exigiu muito de José. O texto não diz que ele desconfiou da honestidade ou da moral dela, mas como não compreendeu o mistério que havia ali, decidiu deixá-la sem dizer nada. No entanto, em um sonho, José descobriu que deveria entrar no sonho de Deus que era bem maior do que o dele e acolher o Mistério que se dava em Maria. Ele fez isso e assim deu sua colaboração essencial para que o sonho de Deus pudesse se realizar.  

A exegese deste texto se baseia no fato de que, para cumprir as escrituras e as promessas divinas, José, sendo da descendência de Davi, deveria dar o nome ao filho que vai nascer. Jesus será chamado filho de José e para isso, o Anjo lhe aparece e pede que aceite Maria. 

Os evangelhos da infância de Jesus (Mateus 1- 2 e Lucas 1 – 2) foram redigidos como comentários narrativos de textos do primeiro testamento. Não são relatos históricos. No caso desse evangelho, o evangelista comenta Isaías 7 para mostrar que no nascimento de Jesus se cumpre plenamente a profecia de Isaías ao rei Acaz. No tempo de Isaías, o anúncio era de que uma jovem tinha engravidado do rei e esse teria um filho (Ezequias) que seria considerado Emanuel, isso é, sinal da presença divina no meio do seu povo (Deus conosco). O sinal de que Deus estaria com o seu povo seria o fato de que antes de que o príncipe Ezequias crescesse, os dois impérios (Assíria e Egito) que ameaçavam o povo de Deus estariam derrotados e o povo teria paz. Ao usar a Bíblia na sua tradução grega, Mateus traduz o termo hebraico jovem pelo grego virgem e usa o texto de Isaías para justificar o nascimento milagroso de Jesus, o novo Emanuel: Deus conosco.

A tradição cristã, influenciada por uma cultura estrangeira à Bíblia, quis em seus comentários  sublinhar a virgindade de Maria para exaltar a sua pureza e acentuar certo desprezo da corporalidade. Isso não é bíblico e nada tem a ver com a narrativa de Mateus. Na cultura do tempo de Jesus e do evangelho de Mateus, a virgindade não é virtude e nem significa que Maria é mais santa ou mais pura. Provavelmente,  o evangelista chamou Maria de virgem para acentuar que ela era pobre. (Nem tinha marido e nem era fecunda como deveria ser toda mulher em Israel). Na Bíblia o não poder ter filho é sinal de pobreza e até de falta da bênção de Deus. Por isso, em Lucas, o anjo que aparece a Maria tem de começar dizendo: Ave, cheia de graça. Você é sim objeto da graça divina. Em textos evangélicos como este, Maria é  símbolo da pobreza de Israel, dependente dos impérios estrangeiros (na época do império romano) e sem esposo, já que havia rompido a aliança com Deus. A própria Maria, quando recebe de Isabel a notícia de que vai ser mãe do Messias, reage cantando: “Deus olhou para a pobreza (ou humilhação) de sua serva”. Em uma sociedade patriarcal, a humilhação de Maria era ser virgem e sem marido. No entanto, nesse contexto, ao escolher Maria, Deus revela que rompe com o patriarcalismo e começa uma nova história. Hoje, as comunidades podem cantar: “Da cepa brotou a rama, da rama brotou a flor, da flor nasceu Maria, de Maria o salvador”.

Quando o evangelista escreveu esse texto, Jerusalém tinha sido destruída (anos 80). Não havia mais templo e parecia não haver mais esperança para o povo da promessa. É nesse contexto que o Anjo do Senhor fala a José. O Anjo do Senhor é como os textos bíblicos falam da manifestação de Deus a Abraão, a Moisés e aos profetas. O Anjo do Senhor é a Palavra de Deus (não é como em Lucas, o anjo Gabriel). É o anúncio de uma nova aliança na qual Deus está conosco e em nós.

As condições sociais e políticas da nossa realidade são diferentes daquelas nas quais Mateus escreveu esse texto. No entanto, assim como o império romano tinha praticamente destruído a experiência do Israel mais livre (depois dos Macabeus), o império que atualmente domina o mundo procura permanentemente destruir  as experiências de liberdade e autonomia no Brasil e em toda América Latina. Na época de Mateus, Soter (Salvador) era o título que o imperador Vespasiano se dava. O evangelho nos aponta que a verdadeira salvação vem de comunidades pobres e impotentes (virgem) que engravidam de um projeto novo de vida e de libertação. Por mais dura e escura que parece a realidade atual, o evangelho de hoje nos convida a descobrir onde está surgindo a gravidez desse mundo novo que irrompe no meio de tanta estupidez e crueldade e nos dá a graça de sentir e testemunhar que Deus é Emanuel, Deus conosco.

Neste domingo anterior ao Natal, somos chamados/as a contemplar as situações de gravidez que vivemos. Cada um/uma de nós pode curtir de que novidade estamos grávidos/as. Podemos perceber do que e de quem estão grávidas as nossas comunidades. Podemos acolher e ajudar na gravidez dos povos originários que como Maria parecem gerar do Espírito Divino e dos Encantados uma vida nova inesperada e que é salvação, como o nome de Jesus é Salvação. 

Que alegria podermos, cada um/uma de nós, escutar hoje o Anjo do Senhor que faz de nós novos José e nos pede que acolha as Marias grávidas da novidade de Deus no mundo como sendo ação do Espírito Santo. Assim como José com Maria grávida, temos de proteger e cuidar dessa gravidez de uma humanidade nova, onde quer que ela se manifeste.

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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