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Só amor de predileção pode nos libertar

6º Domingo da Páscoa:  Jo 15, 9- 17. 

Só o Amor liberta

                Neste 6º Domingo da Páscoa, o texto evangélico escolhido, João 15, 9 – 17, vem na continuidade do mesmo discurso de Jesus, lido no domingo passado. Podemos pensar que este texto é o ponto central da palavra de Jesus aos discípulos e discípulas depois da última ceia. É como o testamento que Jesus quer deixar como herança para a sua comunidade.  

A primeira coisa que chama a atenção é o caráter afetuoso e quase confidencial dessas palavras. Jesus abre o coração. Fala do que tem vivido e experimentado. Não fala nominalmente de Deus, menos ainda de religião e doutrina. Fala de amor. E fala com amor. É uma confissão de amor: Eu amo vocês. Em geral, confissões de amor se dão na intimidade de uma relação a dois. Neste evangelho, Jesus confessa amor privilegiado a uma comunidade de irmãos e irmãs e faz isso exatamente no momento no qual a comunidade está prestes a se romper. Ele sabe que dali a pouco irá ao horto de Getsemani onde será preso e todos os discípulos fugirão. Judas o trairá e Pedro negará que o conhece. Assim mesmo, diz abertamente e como algo que explica toda a sua vida: “Assim como o meu Pai me amou, eu amei vocês”. Isso não significa apenas “Do mesmo modo que o Pai me ama, eu amo vocês” e sim “Eu amo vocês com o mesmo amor com o qual o Pai me ama”. Conforme os evangelhos sinóticos, no batismo e na transfiguração, o Pai revelou: Jesus é o filho amado, no qual o Pai pôs toda a sua predileção. Pois é este amor de predileção que Jesus dedica ao seu grupo. No grego, o termo escolhido para dizer amor (agapé) significa justamente este amor de predileção”. Ao revelar isso, Jesus manda que as pessoas ali reunidas se amem umas às outras com este tipo de amor. “Eis minha ordem, minha orientação, minha proposta: amai-vos uns aos outros/umas às outras, como Eu vos amo”(v 12 e se repete no v17). 


Comumente o amor é visto como energia emocional, feita de paixão e marcada pela atração natural de uma pessoa sobre outra. Isso vem de Deus e é divino. No entanto, há outro tipo de amor que é o amor de opção e como postura de vida. Existem pessoas que vivem a vida inteira com outra e a qual se entregam e se doam, mesmo fisicamente, e fazem isso sem sentirem nenhuma atração pela outra. Puro amor de doação gratuita. 

Esta forma de amor pode ser vivida em qualquer situação e inclui relações interpessoais e sociais. Envolve sentimento, emoção e pensamento. No entanto, é principalmente opção de vida, doação e entrega de si mesmo/a. Permanecer em Jesus é deixar que esse Amor Divino faça raízes em nossas vidas e possamos viver a partir dessa orientação fundamental. Essa forma de amor é mais do que sentimento afetuoso e mais do que emoção. É modo de ser e de viver. 

Henrique Vieira, querido amigo e pastor evangélico, explica bem isso no seu livro Amor como Revolução. O presidente Hugo Chávez afirmava que a Política só é verdadeira e fecunda quando procede do amor social. Precisamos reencontrar os caminhos para construir uma Política alicerçada naquilo que, na Fratelli Tutti, o papa Francisco chama de fraternidade universal e amizade social. 


Jesus propõe um amor de entrega. “Ninguém tem maior amor do quem entrega a vida” (v. 13). Não se trata só de morrer pelo outro. É importante viver para e pelo outro. Há mais de 50 anos no Brasil, as comunidades cantam: “Prova de amor maior não há do que dar a vida pelo irmão”. No Recife, as pessoas mais velhas da caminhada não ouvem esta música, sem lembrar que, no 29 de maio de 1969, foi esta música que marcou o cortejo que acompanhou o corpo do nosso mártir Antônio Henrique ao cemitério. No VI Encontro Interclesial de CEBs em Trindade, GO, (julho de 1986), na carta conclusiva do encontro, as comunidades afirmavam: “Nós queremos nossos/as mártires vivos/as e não mortos/as”. É isso que nos é pedido: Temos de ser testemunhas de que é possível viver uma vida de entrega de si mesmo/a aos outros irmãos e irmãs. O mandamento do amor nos compromete na responsabilidade profunda e íntima de nos entregarmos mesmo na doação de nossas vidas aos outros/as.

Conforme o quarto evangelho, o contexto dessa proposta revolucionária do amor foi a última ceia, na qual Jesus lavou os pés dos discípulos e discípulas e propôs que se fizesse sempre a memória dele na ceia. Talvez uma das mais profundas perversões praticadas nas Igrejas tenha disso a de desligar a celebração da ceia de Jesus, a eucaristia, da realidade dessa entrega de vida e do amor contido nessa postura.

Na maioria das vezes, em nossas Igrejas, a celebração da Ceia do Senhor é um culto asséptico, frio e regido por um ritual rígido e sem coração. A linguagem do Missal Romano é absolutamente diferente e mesmo contrária a essa forma de falar de Jesus a seus discípulos e discípulas na ceia. É urgente restituir às nossas celebrações esse caráter de amor carinhoso e de predileção que Jesus viveu naquela noite de celebração da sua Páscoa. O quarto evangelho diz: tendo amado os seus, amou-os até o fim, isso é, até onde o amor pode ir. É assim que ele, Jesus, propõe que façamos sempre memória da sua ceia. 

Ao mesmo tempo, parece urgente libertar o amor da prisão de sua concepção unicamente sentimental e despolitizada para transportá-lo à dimensão sócio-política das relações humanas. Nas Igrejas, é urgente libertar a ceia de Jesus da concepção teológico-jurídica de sacrifício para novamente fazer dela sacramento afetuoso da partilha e do comunitarismo. Que nossas celebrações sejam confissões de amor e carinho social, como Jesus fez e como mandou que fizéssemos. Isso supõe libertarmos a eucaristia não somente do peso de sua concepção sacrificial, mas do que está por trás dessa visão de sacrifício: o seu conteúdo clerical. Na comunidade do quarto evangelho e neste discurso, Jesus não chama ninguém de apóstolo ou apóstola. Somos todos e todas discípulos e discípulas. 


A partir do próximo domingo, mais uma vez, viveremos a Semana de orações pela Unidade dos Cristãos e Cristãs. Há mais de cem anos, a forma de nos preparar para encerrar esse tempo pascal e celebrar Pentecostes é pedir ao Pai que nos dê em plenitude o Espírito Santo, a Divina Ruah que ressuscitou Jesus e que nos une a Jesus e uns aos outros. É a Ternura Divina que nos faz viver esse amor que Jesus tem com o Pai e que nos dá a possibilidade de viver nesse mundo como nova forma de organizar a sociedade e também as Igrejas. É Ele que realiza hoje a oração que, na véspera da sua paixão, Jesus orou ao Pai: “Faze que todos os meus discípulos e discípulas sejam unidos como Eu e Tu somos unidos, para que o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 19- 21). 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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