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Só o amor liberta

Só o Amor liberta

               Neste 6º Domingo da Páscoa, o texto evangélico escolhido, João 15, 9 – 17, vem na continuidade do mesmo discurso de Jesus, lido no domingo passado. Podemos pensar que este texto é o ponto central da palavra de Jesus aos discípulos e discípulas depois da última ceia. 

A primeira coisa que chama a atenção é o caráter afetuoso e quase confidencial dessas palavras. Jesus abre o coração. Fala do que tem vivido e experimentado. É uma confissão de amor. Em geral, confissões de amor se fazem na intimidade de uma relação a dois. Neste evangelho, Jesus diz abertamente e como algo que explica toda a sua vida: “Assim como o meu Pai me amou, eu amei vocês”. Isso significa “Eu amo vocês com o mesmo amor com o qual o Pai me ama”. Conforme os evangelhos sinóticos, no batismo e na transfiguração, o Pai revelou: Jesus é o filho amado, no qual o Pai pôs toda a sua predileção. Pois é este amor de predileção que Jesus dedica ao seu grupo. 

No grego, o termo escolhido para dizer amor (agapé) significa justamente este amor de predileção”. Ao revelar isso, Jesus manda que as pessoas ali reunidas se amem umas às outras com este tipo de amor. “Eis minha ordem (minha orientação, minha proposta): amai-vos uns aos outros/umas às outras, como Eu vos amo”(v 12 e se repete no v17). 

Comumente o amor é visto como amor emocional, feito de paixão e marcado pela atração natural de uma pessoa sobre outra. Isso vem de Deus e é divino. No entanto, há outro tipo de amor que é o amor de opção e como postura de vida. Esta forma de amor pode ser vivida em qualquer situação e inclui relações interpessoais e relações sociais. Envolve sentimento, emoção e pensamento. No entanto, é principalmente opção de vida, doação e entrega de si mesmo/a. Permanecer em Jesus é deixar que este Amor Divino faça raízes em nossas vidas. E possamos viver a partir desta orientação fundamental. Esta forma de amor é mais do que sentimento afetuoso e mais do que emoção. É modo de ser e de viver. 

Nosso querido pastor Henrique Vieira explica bem isso no seu livro Amor como Revolução e o presidente Hugo Chávez afirmava que a Política só é verdadeira e fecunda quando procede do amor social. 

Atualmente vemos no Brasil o exemplo claro de um governo e um sistema político organizado a partir do desamor e do ódio. Precisamos reencontrar os caminhos de vencer as forças da morte e construir uma Política alicerçada no que na carta Fratelli Tutti o papa Francisco chama de fraternidade universal e amizade social. 

Jesus propõe um amor de entrega. “Ninguém tem maior amor do quem entrega a vida” (v. 13). Não se trata só de morrer pelo outro. É importante viver para e pelo outro. Há mais de 50 anos no Brasil, as comunidades cantam: “Prova de amor maior não há do que dar a vida pelo irmão”. No Recife, as pessoas mais velhas da caminhada não ouvem esta música, sem lembrar que, no 29 de maio de 1969, foi esta música que marcou o cortejo que acompanhou o corpo do nosso mártir Antônio Henrique ao cemitério. No VI Encontro Interclesial de CEBs em Trindade, GO, (julho de 1986), na carta conclusiva do encontro, as comunidades afirmavam: “Nós queremos nossos/as mártires vivos/as e não mortos/as”. É isso que nos é pedido: Temos nós de sermos testemunhas de que é possível viver uma vida de entrega de si mesmo/a aos outros irmãos e irmãs. O mandamento do amor nos compromete na responsabilidade profunda e íntima de nos entregarmos mesmo na doação de nossas vidas aos outros/as.

Conforme o quarto evangelho, o contexto dessa proposta revolucionária do amor foi a última ceia, na qual Jesus lavou os pés dos discípulos e discípulas e propôs que se fizesse sempre a memória dele na ceia. Talvez uma das mais profundas perversões praticadas nas Igrejas tenha disso a de desligar a celebração da ceia de Jesus, a eucaristia, da realidade desta entrega de vida e do amor contido nesta postura. Na maioria das vezes, em nossas Igrejas, a celebração da Ceia do Senhor é um culto asséptico, frio e regido por um ritual rígido e sem coração. É urgente libertar o amor da prisão de sua concepção unicamente sentimental e despolitizada para transportá-lo à dimensão sócio-política das relações humanas. Nas Igrejas, é urgente libertar a ceia de Jesus da concepção teológico-jurídica de sacrifício para novamente fazer dela o sacramento afetuoso da partilha e do comunitarismo. Que nossas celebrações sejam confissões de amor e carinho social como Jesus fez e como mandou que fizéssemos. Isso supõe libertarmos a eucaristia não somente do peso de sua concepção sacrificial, mas é claro do que está por trás dessa visão de sacrifício: o seu conteúdo clerical. Na comunidade do quarto evangelho e neste discurso, Jesus não chama ninguém de apóstolo ou apóstola. Somos todos e todas discípulos e discípulas. 

Essa é a nossa tarefa para este Brasil doente e no qual a morte dos outros se tornou política de governantes desalmados: testemunhar um estilo de doação e exercitar uma militância política feita de Amor e que tenha como objetivo o amor social. 

Ao celebrarmos neste domingo o “dia das mães”, agradeçamos a Deus como as nossas mães são sinais deste amor gratuito e que ama apesar de tudo e seja como for. Lembramo-nos de que, cinco séculos antes de Jesus, na Índia, no famoso discurso de Benarés, Sidharta Guatama, o Buda ensinava: “Devemos olhar todo ser humano como uma mãe carinhosa olha o filhinho ou a filhinha que está em seu útero. Quando conseguirmos viver isso, seremos pessoas iluminadas”. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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