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Só o amor revela a presença divina.

Festa da Santíssima Trindade: Jo 16, 12- 16. 

Só o Amor torna Deus presente no mundo

                   Nos anos C, o lecionário para a festa da Santíssima Trindade retoma alguns versos do discurso que, segundo o quarto evangelho, Jesus fez durante a ceia. Esses versículos (Jo 16, 12- 16) contém a promessa que, nesse discurso, Jesus faz aos discípulos e às discípulas, pela quinta vez: a promessa de lhes mandar o Espírito Santo. Ele diz:  - “Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando vier o Espírito da Verdade, vos conduzirá à plena verdade. Dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras” (Jo 16, 12- 13). 

Deus é Mistério e a única coisa que podemos dizer sobre Deus é o que Jesus nos revelou: É Amor e só pode amar. Assim como Jesus nos ensinou, podemos chamá-lo de Paizinho e viver a intimidade com ele em cada experiência de carinho, amor, amizade e solidariedade humana. O evangelho de hoje nos esclarece que só o Espírito, a energia do Amor Divino, pode nos fazer compreender o que Jesus quer nos dizer sobre o Mistério Divino, sobre nós mesmos/as e sobre o mundo. 

Nenhum livro, nenhuma lei e menos ainda Direito Canônico e Catecismos podem conter Deus, como nenhum templo jamais o conteve. O próprio Evangelho não é ponto de chegada. Não é revelação completa – Só serve como ponto de partida. É importante termos a Bíblia e as suas explicações, mas o mais decisivo é descobrir o que o Apocalipse pede a cada uma das Igrejas para as quais escreve: “Escutar o que o Espírito diz hoje às Igrejas” (Ap 2, 5) . Isso hoje significa ouvir e acolher as intuições mais profundas e experiências das comunidades (no Apocalipse, Igrejas eram sempre locais e, hoje, o que o Espírito diz à humanidade laica que busca a justiça, o amor, o respeito, a paz e a comunhão com a Terra). 


Como seria bom que, hoje, valorizássemos mais e mais os evangelhos que Deus nos dá a cada dia. As boas notícias de Deus nos vêm através das pessoas (irmãos e irmãs) que testemunham e ousam anunciar o novo. Algumas delas são, elas mesmas, evangelhos vivos que nos ajudam a descobrir onde Deus nos chama e para onde ele nos aponta. O Espírito é sempre a energia, o vento que desinstala e ninguém controla. São esses irmãos e irmãs que, hoje, abrem portas e janelas para que entre o Vento impetuoso de um novo Pentecostes, ventania perigosa, mas, ao mesmo tempo, essencial à Vida e à Liberdade. Há mais de 50 anos, o mestre Dorival Caymmi cantava:   Vamos chamar o Vento, vamos chamar o Vento... 

Será que temos sido suficientemente abertos/as a esse sopro da ventania divina que nos desinstala e nos empurra para sermos mais humanos e, assim, construtores/as de um futuro com justiça, amor e paz? 

Nesta palavra do Evangelho que lemos hoje, Jesus insiste que o Espírito nos anunciará (ou interpretará) o que vai acontecer...  Não no sentido de previsão do futuro e sim por nos dar critérios para interpretar os acontecimentos tanto da vida pessoal, como da realidade social, política e ecológica. A vida não é simples e as interpretações não são óbvias. Precisamos do Espírito de Deus para interpretar. Na Bíblia, anunciar o futuro é prerrogativa de Deus. É Deus que pode com segurança dizer o que vai acontecer. Não como preveem os adivinhos e sim como prometem os profetas e profetisas que, convivendo no meio dos povos injustiçados, captam os sinais dos caminhos de vida e denunciam os projetos de morte. 

Quem prevê só diz o que consegue antever. Quem promete se compromete. Isso tem caráter transformador da realidade. Para profetas antigos como Isaías e para o evangelho, anunciar o futuro é prometer que será melhor do que o presente. Deus diz Sim às nossas utopias. É garantia de que podemos ter esperança e confiar na transformação de nós mesmos e do mundo. 


Desde os anos 1980, neste domingo da Santíssima Trindade, em muitas dioceses, se celebra a festa das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Atualmente, a realidade é mais difícil e as CEBs continuam vivas e operantes, mas sem a mesma visibilidade. Ou seja, um dos desafios é  retomar a relação entre as estruturas diocesanas e paroquiais com a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base. 

No evangelho, Jesus promete que o Espírito Santo nos guiará para toda a verdade. Não se trata apenas da verdade nocional ou intelectual e sim da realidade mais profunda da vida nossa e da vida do mundo. Quem sabe, o Espírito Santo lembrará a todos/as que, conforme o evangelho, Jesus afirmou claramente que Deus esconde os seus segredos dos grandes e poderosos e os revela aos pequeninos (Mt 11, 25). Nesse sentido, o Espírito Santo poderá nos ajudar a interpretar a realidade futura e como nela agir. 

Hoje, a existência de Deus é negada por vários elementos da realidade, como a destruição ecológica, a ação predatória das mineradoras, o racismo estrutural da sociedade dominante, o agronegócio que suas monoculturas vão desertificando os territórios, a guerra permanente da elite contra os povos originários e comunidades afrodescendentes, o apego de nossas hierarquias eclesiásticas ao poder e à dominação, as guerras e os conflitos que dominam o mundo, o fato de convivermos sem fazer quase nada com o genocídio que o governo israelense pratica diariamente contra o povo palestino e a política dos governos do império contra migrantes e refugiados. 

Hoje, celebrar que cremos em Deus como Amor e Comunhão é proclamar e reforçar as ações de solidariedade às lutas pacíficas do povo e dar mais visibilidade a toda iniciativa popular para transformar o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Como cantava Dorival Caymmi: “Vamos chamar o vento...”. 

Claro que para isso é importante nos abrirmos ao Espírito... 

Em um de seus poemas, dizia Pedro Casaldáliga: 

“Onde tu dizes lei, eu digo Deus.

Onde tu dizes justiça, paz, amor, 

eu digo Deus!

Onde tu dizes Deus, 

eu digo liberdade, justiça, amor!”

 

Vamos chamar o vento: 

https://youtu.be/RJWPjpFnCZ0?si=2cu6R0hvq4bpeDzG

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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