O Evangelho desse 5o domingo da Quaresma
(ano B) conta que alguns gregos, isso é, pagãos, queriam ver Jesus. No
evangelho de João o verbo ver tem um sentido mais amplo do que o olhar ou
simplesmente avistar. Significa se encontrar e acolher. Toda a primeira parte
do evangelho de João foi baseada em sinais para que as pessoas pudessem ver e crer. Os gregos, isso é, os estranhos, os que não eram da cultura e
da religião da Bíblia querem ver Jesus. Eles não podem se aproximar porque um
judeu não se comunica com pagãos e o jeito é eles procurarem os dois discípulos
de Jesus que têm nome grego e provavelmente são da cultura deles: Filipe e
Natanael.
O evangelho de João que quase nunca
valoriza os discípulos e nem os chama pelo nome dá o nome desses dois e diz que
eles procuraram Jesus para tentar introduzir os gregos na conversa. Quando
Jesus os escuta diz "Agora chegou a hora da Páscoa. Agora sim, o Filho do
Homem vai ser glorificado". Antes em todo o evangelho, sempre se falava da
"Páscoa dos judeus". Era a páscoa da religião. Agora Jesus diz:
"Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim", isso é, vou
juntar judeus e gregos, religiosos e não religiosos, gente de diversas culturas
e situações de vida.
Esse desafio é colocado para a comunidade
joanina do final do século I. Tem de se abrir aos de outras culturas, crenças e
posturas de vida. Esse desafio é colocado para nós hoje.
Geralmente, os padres e pastores explicam
esse evangelho a partir da parábola do grão que tem de ser enterrado na terra
para poder desabrochar e dar fruto. Mas, é bom prestarmos atenção a alguns
pontos da parábola. O termo grego fala não de um grão separado mas de um feixe
de trigo... (kokos tou sitou). Por
que é importante essa natureza plural do feixe
de trigo e não apenas de um grão
individual? Por que o evangelho quer dizer que a morte de Jesus não foi uma
coisa separada, isolada e única como morte. Ela é uma morte em feixe... Não em
grão isolado. Tanto que imediatamente Jesus afirma: "Quem tem apego à
própria vida vai perdê-la. Quem arrisca a vida vai salvá-la. Se alguém quer me
servir, que me siga" (v 25- 26). É interessante que o termo servir é o da
diaconia. O feixe de trigo que cai por terra e morre para germinar e florescer
é, de fato, uma imagem da paixão de Jesus, do martírio de Jesus, do martírio de
Marielle, do ambientalista Pedro Sérgio de Almeida, assassinado nessa
segunda-feira em Barcarena no Pará...
É uma imagem do martírio que se torna
fecundo na continuidade da caminhada. E aí podemos sim compreender essa
parábola tanto no plano social de quantas pessoas teremos de plantar na terra
até a libertação florescer? Quantos companheiros e companheiras teremos de
plantar como grão fecundo na terra do Brasil até termos uma verdadeira
democracia participativa, direta e de justiça para todos? Mas, é importante que
também interpretemos a parábola para nós mesmos na vida pessoal: Se a semente é
cada um de nós, a que devo hoje morrer para que a vida interior e pascal possa
desabrochar e se expandir? Nesse ano da Campanha da Fraternidade para a
superação da violência, como as nossas comunidades e grupos podem ser sementes
enterradas na terra do povo, das periferias e da luta para germinar frutos de
justiça e de paz?
Mas, eu quero chamar a atenção para uma
imagem do evangelho que comumente os padres e pastores não falarão.
No mundo antigo, quem espalhava a semente
na terra eram as mulheres. Eram as mulheres que tinham a sabedoria de juntar as
sementes certas, de saber em que lua deviam plantar e como o terreno deveria
estar para receber as sementes e essas puderem produzir.
Jesus diz para a comunidade: assim como a mulher joga o feixe
de trigo e espalha a semente na terra, a mulher é quem realiza essa abertura. É
a mulher que dá a luz a essa Igreja nova, a essa Igreja sem fronteiras, a essa
Igreja que vai além dos templos e das convenções sociais, das normas morais
estreitas e dos juridicismos próprios do poder eclesiástico. É mais um aspecto
que o evangelho de hoje nos chama: solidarizar-nos à luta das mulheres em todos
os aspectos e dimensões dessa luta. E aí sim nossa Páscoa será nova.
O evangelho de João substitui as cenas da
agonia de Jesus no horto das oliveiras por essa passagem. Aqui também Jesus diz
"estou interiormente perturbado". Só que diferentemente dos outros
evangelhos, Jesus diz: "Não posso me deixar dominar pela angústia ou pelo
sofrimento porque foi para essa hora que eu vim. E pede ao Pai a glorificação..
Glorificar o teu nome. Mostrar que estás presente na nossa luta, que te
manifestas em nossas cruzes... Que não estamos sozinhos e largados e o Pai
responde: Já o glorifiquei e hei de glorificá-lo...
Temos de fazer com que essa ceia de Jesus
que hoje celebramos seja um sinal dessa presença do amor divino no meio das
lutas do povo e como alimento que nos fortaleça nessa caminhada.