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Somos todos reis e rainhas, magos e magas

Somos todos reis, rainhas, magos e magas

             A Epifania é a mais antiga celebração do Natal. Nela, contemplamos o Cristo, nascido em Belém e anunciado aos pastores que se manifesta Salvação para toda a humanidade. Por isso, nesta festa, lemos como evangelho Mateus 2, 1- 12. Conforme esse evangelho, Jesus se abriu aos magos. Eles eram pais de santo daquela época. A tradição popular os chamou de reis e os considerou sábios - intelectuais. Ao contrário, no tempo dos evangelhos, o termo "magos" era usado no sentido de "bruxos". Em geral, se chamavam magos os sacerdotes da antiga religião persa. Na tradição bíblica, eram vistos com maus olhos e tidos como gente não recomendável (nada de santos). 

Hoje, lemos nas Bíblias: abrindo os seus cofres, ofereceram ouro, incenso e mirra. Como peregrinos, vindos de terras tão longínquas, viajavam com cofres?  Alguns manuscritos antigos trazem um termo grego que, no lugar de tesouros, falam em sacos de viagem, bagagem de andarilhos, quase de mendigos.... Gente como hoje o povo da rua. 

Conforme o evangelho de Mateus, os magos são os primeiros a adorar Jesus. O evangelho não diz quantos eram. A tradição cristã os coloca como três e até dá nome a cada um: Melquior, Gaspar e Baltazar. Pinta um deles como negro e uma tradição oriental estampava um deles como uma jovem mulher. Portanto, ela deveria ter outro nome. Tudo isso para simbolizar a universalidade desse encontro macro-ecumênico: Jesus menino e os buscadores e buscadoras do sagrado de todos os tempos e todas as culturas. 

Com esse espírito e essa espiritualidade, vamos reler e saborear o evangelho de hoje. Comumente, os padres e pastores fazem uma leitura na linha da teologia inclusivista. Dizem: “Os magos vêm de longe para adorar a Jesus, portanto para ser cristãos”. Com essa visão etnocêntrica e até dogmática, afirmam que o Cristianismo é uma religião universal que se abre e acolhe a todos e todas, mas contanto que eles e elas venham a nós e se convertam à nossa cultura, isso é,  à nossa forma de adorar a Deus. 

Não podemos confundir adorar o Cristo com aderir ao Cristianismo que nem teria existido ainda como religião na época em que este evangelho foi escrito. E o próprio texto diz: que depois de reverenciar o menino como “rei” (adorar), os magos voltaram a seus países, isso é, à sua cultura e sua forma de viver a fé. 

Uma leitura mais profunda deste conto poético que Mateus conta como parábola pode nos ajudar a fazer uma interpretação mais aberta e pluralista. A acolhida de Jesus é abertura ao outro. Belém e o presépio se tornam lugares que simbolizam um encontro de culturas e de religiões e não apenas o outro que entra na nossa. Conforme o evangelho, os magos seguem uma estrela. São astrólogos e o evangelho não critica isso. Conta que se prostraram diante do Menino como, na época, se prostravam diante de qualquer soberano oriental. Oferecem ouro, incenso e mirra, O oráculo de Isaías 60 que ouvimos na primeira leitura de hoje e o salmo 72 se referem a reis que vêm de longe trazendo seus tesouros como tributos ao rei Messias. No entanto, o evangelho diz que são presentes e não tributos. Ouro, incenso e mirra eram usados em cultos de religiões de mistério no Oriente.  

Cada um de nós vive uma busca interior. Uns com mais intensidade e coragem. Outros se acomodam e deixam sua busca meio adormecida. Alguns nem percebem mais essa busca interior e ela é quem dá sentido à nossa vida. Nesses dias, em algumas regiões do Brasil, comunidades pobres fazem novenas e folias de Reis. Assim, nos lembram a todos que temos de retomar, permanentemente, nossa peregrinação.... 

Nossa peregrinação, simbolizada pelos magos, São João da Cruz chamou de "caminho na noite escura da fé". Infelizmente, muitas vezes, as Igrejas fazem de si mesmas não mais a casa de Belém onde as pessoas que vêm de longe podem encontrar o Menino e sim um centro religioso que atrai as pessoas para si. Nessa eclesiolatria, as pessoas se acomodam e desistem de caminhar. 

Manter-se na estrada implica aceitar ser pequenino, desprotegido e quase sempre marginal... Nem todo mundo topa isso. Conforme os evangelhos, a Igreja não deveria nem ser a pousada e sim o grupo que caminha juntos. Por isso, é assembleia (Igreja) e não templo ou religião. O caminho é guiado pela estrela e não pela pousada.

A história dos magos é uma parábola, midrash da tradição cristã, escrito a partir dos textos judaicos. Conforme essa história, para aqueles bruxos do Oriente, não foi fácil reconhecer um novo chamado divino, através da luz da estrela.  Eles não compreenderam que Deus os chamava para caminhar, não na direção de algum centro de peregrinação importante, mas de uma aldeiazinha perdida nas montanhas da Judéia chamada Belém. Eles estavam procurando um centro do poder religioso e político. Por isso, foram a Jerusalém e procuraram o rei Herodes. Esse contato dos magos com Herodes e com os sacerdotes só deu problema. Segundo o evangelho, eles acabaram involuntariamente provocando o massacre dos inocentes e a perseguição de Herodes ao menino Jesus. Os sacerdotes da religião correta (doutores da lei) sabiam muito bem a verdade - interpretaram corretamente a profecia de Miqueias na Bíblia - mas isso não os levou a Deus. Já os xamãs vindos do Oriente, que não tinham Bíblia, nem conheciam a verdadeira fé, foram adorar e reconheceram em uma criança pobre a presença divina. 

O texto diz que a estrela que em Jerusalém tinha desaparecido do céu, reaparece quando eles deixam a cidade e seu templo e os conduz a Belém. Deus se encontra na casa da periferia, na gruta que não tem portas nem muros. Adorar é admirar-se, é reconhecer o divino no humano, em todo ser humano, mas especialmente no mais pequenino e pobre. 

Os presentes dos magos são simbólicos dos presentes que devemos dar a todo ser humano, como sendo dados a Jesus. Ao oferecer a Jesus o ouro, os magos profetizam o reconhecimento da dignidade e do valor inestimável de todo ser humano, ali representado no menino de Belém. Toda criança merece que se ponham  a seus pés toda a riqueza do mundo. O incenso significa o desejo de que a vida dessa criança desabroche e se eleve até Deus. Todo ser humano é chamado a ser divino, a se divinizar. A mirra é medicamento para aliviar os sofrimentos e significa que todo ser humano é frágil e merece cuidado. O menino de Belém é símbolo de que Deus introduz no mundo uma nova magia: o que o papa Francisco tem chamado de misericórdia. É esse caminho que devemos retomar e reacender como luz da estrela nas estradas da vida.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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