Festa da Manifestação de Jesus (Epifania) – Mt 2, 1- 12.
Somos todos reis e rainhas, magos e magas...
Na festa da Epifania, palavra grega que significa Manifestação de Jesus, a Igreja latina lê anualmente o texto de Mateus 2, 1- 12 que conta a vinda dos magos a Belém para homenagear Jesus recém-nascido. A meditação deste evangelho já está colocada no ano A. Você pode ir lá que encontrará um comentário mais exegético e que explicita também as consequências ecumênicas e macro-ecumênicas desta palavra. Neste ano, vamos aprofundar mais a dimensão pastoral e popular dessa passagem.
O povo chama este dia de “festa dos reis”. Embora o evangelho não diga que os magos fossem reis, desde muito antigamente, essa tradição se impôs. Um ícone oriental da Idade Média pintava um rei como negro e outro figura como mulher. Não era um rei mago e sim uma rainha maga. Essa forma de retratar apontava para a dimensão universal da salvação divina, estendida a todas as raças e gêneros.
Na tradição do Catolicismo popular, em várias regiões do Brasil, nesses dias, de 24 de dezembro até 06 de janeiro, pessoas devotas refazem as folias dos santos reis. Grupos devotos saem atrás de uma bandeira, com sanfonas, violas, reco-reco, tambor, pandeiro e gaita. Cantam e representam a história dos reis magos. Pedem pouso, de casa em casa. Assim, revivem a peregrinação dos magos em busca do Menino que nasceu.
Nas folias e reizados, as pessoas pobres se veem como embaixadores/as da folia, reis e rainhas que retomam o caminho dos magos a Belém. As folias e reizados nos lembram que a fé se vive em comum. A caminhada da fé é sempre comunitária. Também nos ensinam que a espiritualidade se vive com alegria e saboreando a vida. As folias carregam consigo palhaços e foliões, o mesmo termo usado no Carnaval, sendo que aqui expressa fé e oração. É à medida que recordam a viagem a Belém e a adoração dos magos a Jesus, recém-nascido, que hoje os irmãos e irmãs da devoção popular retomam a mesma mística e devoção.
As folias são tradições que vêm de séculos passados e se mantêm vivas em um tipo de devoção laical e comunitária que não depende de padres, paróquias e catequeses. Ao mesmo tempo, expressam a capacidade de se organizar de grupos independentes que se juntam para a peregrinação desses dias e suscitam a acolhida e a solidariedade das famílias que os recebem, cada noite, para o pouso. Ao vê-los e ouvi-los, é impossível não sentir que ali se misturam a alegria da festa e o anseio de uma busca que faz com que cada música termine por uma espécie de gemido coletivo: aiiiiii!
Isso pode nos fazer interrogar como anda a nossa busca interior. Cada um de nós vive dentro de si essa inquietude. Há pessoas nas quais essa busca parece sede insaciável. E há quem peregrine e vaguei por vários recantos interiores e diversas realidades sempre buscando com intensidade e coragem. Em outras pessoas, parece que a agitação da vida e as coisas do dia a dia acabam sufocando a busca mais profunda e as pessoas acabam se acomodando. Vivem a banalidade do dia a dia... sem ousar novas interrogações. Algumas pessoas nem percebem mais que têm essa busca interior e é ela que dá sentido à vida. Assim como Deus conduziu os magos não ao templo de Jerusalém e sim a uma estrebaria na aldeia de Belém, também a nossa busca se dá quando aceitamos nos inserir no meio das pessoas mais empobrecidas e descobrimos na vida delas a graça da acolhida e da convivência. Assim como aqueles religiosos de outras crenças orientais tiveram a graça de ver um sinal divino e reconhecer a presença de Deus em uma criança pobre e de periferia, devemos abrir nossos olhos para a realidade de crianças, vítimas das guerras, das migrações forçadas e dos desastres ecológicos provocados pela forma como a sociedade dominante destrói a natureza. As crianças são as principais vítimas da fome e das desigualdades sociais que aumentam no mundo atual. As crianças, principalmente, as mais carentes, são sinais da criança de Belém que hoje devemos encontrar.
Hoje, vivemos em uma situação na qual todas as religiões vivem certa crise estrutural. A linguagem religiosa, os símbolos e seus sentidos parecem exigir novas expressões. Na sociedade dominada pela cultura de massa, é importante ver nas expressões das espiritualidades originárias, indígenas e negras, assim como na devoção das pessoas mais pobres a viagem de busca dos magos e magas que continuam hoje a peregrinação ao Mistério do Amor Divino. A celebração da Epifania nos recorda que Deus se manifesta no humano e pode ser encontrado nos sinais humanos e da realidade do universo. Toma o rosto do Cristo em cada pessoa humana e na face da mãe-Terra.
Eis uma das cantigas de folia da tradição mineira:
“Agora mesmo chegamos
Na beira do seu terreiro
Para tocar e cantar
Licença peço primeiro
Meu senhor, dono da casa
Acordai, se estais dormindo
Venha ver a estrela d'alva
Que bonita está saindo
Meu senhor, dono da casa
Se escutar me ouvireis
Que dos lados do Oriente
São chegados os três Reis
Vimos lhe cantar os Reis
E também lhe visitar
Ó de casa, casa santa
Onde Deus veio habitar”