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Texto, quarta feira, 11 de fevereiro 2015

O PT, 35 anos depois

Nesses dias, o PT completa 35 anos de sua fundação. Um aniversário como esse é sempre ocasião para rever o caminho percorrido, corrigir rumos e traçar novas perspectivas para o futuro. Para avaliar corretamente o itinerário já realizado, é preciso um mínimo de isenção, o que, no Brasil atual, é difícil. A maioria dos meios de comunicação e uma parte importante da elite brasileira culpam o PT por muitos erros e desvios morais que, de fato, membros desse partido cometeram, mas não o partido enquanto tal. E a oposição, cuja maioria está bem mais à direita, o culpa também por tudo e por qualquer coisa que ocorra de negativo no Brasil. Tentam jogar no PT a culpa por uma cultura da corrupção, arraigada na sociedade brasileira e por um sistema econômico, em si mesmo, iníquo. Algumas das pessoas e grupos que mais acusam são dos que enriqueceram a partir de sonegação de impostos, corrupção econômica de todo tipo e ganham fortunas do mesmo governo que tentam destruir. Se algum extraterrestre aterrissasse no Brasil e quisesse se informar sobre o país nos grandes jornais ou nas maiores revistas semanais do Brasil, poderia concluir que o PT conduz o Brasil para um comunismo dogmático e ditatorial. Por outro lado, mesmo se as pessoas que o acusam não têm moral para tanto, as acusações precisam ser respondidas. E mesmo a sociedade civil mais lúcida, assim como os movimentos sociais organizados, expressam sua decepção com o PT. Muita gente se sente traída. Dentro do próprio PT, muitos militantes propõem uma refundação radical do partido.

Ele nasceu com um programa que, em 1980, sintetizava a experiência dos grupos populares em toda a América Latina. Flertava com a revolução sandinista na Nicarágua que apontava para um socialismo democrático. Absorvia a esperança cristã das comunidades eclesiais de base e das pastorais sociais. Relia a história a partir dos empobrecidos e propunha o protagonismo social e político ddas classes populares. Quando, no final dos anos 80, o comunismo real fracassou no Leste europeu, o PT aparecia como um caminho democrático e popular para as esquerdas que levantavam a bandeira da Ética e a proposta de construção de um país mais justo e igualitário. A partir das eleições de 1989 até 2002, o lema “Sem medo de ser feliz” expressava o que, hoje, os povos indígenas traduzem como o bem viver, qualidade de vida comunitária e social justa e digna para todos. No entanto, para ganhar a eleição de 2002 e depois para governar no estilo de sempre, Lula teve de fazer alianças com vários partidos, alguns muito oportunistas que fazem acordo com qualquer um que tiver o poder. Com isso, o PT conquistou o governo, sem alcançar o poder real de guiar os destinos do país. Lula, Dilma e seus colaboradores não hesitaram em comprometer o programa do qual acima falamos para um Brasil novo, para garantir a chamada “governabilidade”, compreendida como acordo com o Congresso. “Trocaram um projeto de Brasil por um projeto de poder”, afirma com razão Frei Betto. Essa foi a corrupção maior que o PT cometeu: frustrar a esperança de muita gente e se tornar um partido igual aos outros. Mesmo tirando todo o exagero da grande imprensa, a corrupção existe e a cúpula do PT, assim como o governo nunca deram uma resposta clara sobre isso.

Há quem se pergunte se, dentro do sistema brasileiro, seria possível fazer de modo diferente. Na Bolívia, quando, pela primeira vez, Evo Morales ganhou a eleição para presidente, tinha minoria no Congresso. E ele não fez nenhuma revolução. Nem deu golpe de Estado. Abriu uma comunicação direta com o povo e os movimentos sociais. O resultado é que esses o apoiaram e fizeram pressão sobre o Congresso. Esse foi obrigado a mudar, a votar na nova Constituição e incorporar os direitos indígenas, reforma agrária e assim por diante. A mesma coisa ocorreu, na Venezuela, com Hugo Chávez. No Brasil, Lula e Dilma têm desprezado o diálogo com a sociedade civil e optado pelos conchavos com partidos aliados e pelo sucateamento de cargos públicos, oferecidos em troca de apoio parlamentar. E abandonam os compromissos programáticos maiores, como Reforma Agrária, respeito à natureza, garantia dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.

O PT ainda é detentor de um programa que é maior do que o partido. O PT dos políticos não parece mais merecer nossa confiança. No entanto, nas bases, nos quadros locais, há muita gente excelente e que prossegue o engajamento nos movimentos sociais transformadores. O PT não é só Lula, Dilma e ministros. O PT tem bases que continuam vivas e ativas. E mantêm um programa novo para um novo Brasil. Essas bases estão enfraquecidas e abandonadas pelas cúpulas do partido, mas existem e merecem atenção.  Para quem tem fé em Deus, seja em que tradição espiritual for, é importante manter a esperança do que os evangelhos chamam de “reino de Deus”, ou seja, o projeto social e político que Deus tem para o mundo. Por isso, mesmo no meio de falhas e erros humanos, é importante discernir qual governo e partido tem um programa que melhor se ajuste na direção do projeto maior da libertação e da justiça. Atualmente, podemos ver no paradigma do Bem Viver indígena e no processo do bolivarianismo latino-americano, caminhos para a realização dessa meta. Nenhum partido realizará de modo perfeito o projeto divino. No entanto, é missão das pessoas de bem e dos grupos sociais exigir dos partidos ditos de esquerda a retomada atualizada de seus compromissos originais e a fidelidade criativa ao programa original. Sem medo de ser feliz.   

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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