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Todo ser humano é um rei mago

Nesse começo do ano, em todo o Brasil, principalmente nos ambientes rurais e do interior, as comunidades mais pobres vibram com danças populares que unem a fé e a cultura popular. Essa sabedoria nos ensina que Deus gosta de brincadeira e se manifesta no jeito do povo simples cantar suas rezas, dançar e brincar nas folias de Reis, assim como, no Nordeste, as crianças ensaiam e dançam o pastoril e o reizado. Inspiradas, sem dúvida em dramatizações religiosas, comuns na Idade Média, em um contexto no qual a Liturgia era em latim e restrita ao clero e religiosos/as, as folias de reis encenam a peregrinação que, conforme o evangelho, magos, ou seja feiticeiros e sacerdotes de religiões pagãs, fizeram do Oriente até Belém para adorar a Jesus. Pelo interior de Goiás, Minas Gerais e outras regiões do Brasil tradicional, do Natal até 06 de janeiro, os foliões levam a bandeira do Menino de casa em casa e invocam a benção divina para as famílias.

É importante não julgar essas tradições como meros resquícios de um tempo passado e de culturas rurais inadequadas no contexto urbano. Ao contrário, o sentido mais profundo dessa piedade popular se mantém vivo e atual. De fato, para as comunidades cristãs que seguem essas tradições pouco importa se a página do evangelho que conta a visita dos sábios do Oriente ao menino de Belém é de tipo simbólico. Os próprios magos não são figuras históricas, mas a tradição os tornou reis magos e fez da viagem deles, conduzidos por uma estrela, do Oriente até Belém o protótipo de toda a busca interior e profunda que as pessoas vivem. 

Mesmo em um mundo sem sonhos e que se especializa em matar as utopias mais profundas da humanidade, pessoas pertencentes a todas as tradições espirituais, como também intelectuais de todas as culturas, mesmo se não pertencem a nenhuma religião específica vivem uma verdadeira peregrinação interior na busca de apreender e viver o mistério mais profundo da vida. A luta cotidiana pela existência e a agitação da sociedade atual tenta as pessoas a esquecer ou mitigar essa busca. O sentido mais profundo das celebrações populares do Natal e Reis Magos é revigorar essa procura no mais profundo de cada crente.

As devoções populares natalinas nos fazem reviver a busca que os evangelhos simbolizam ao contar a visita daqueles astrólogos do Oriente a Jesus. Hoje, os reis magos somos nós e todas as pessoas que não desistem da busca interior e se dispõem a aprofundar o  diálogo na escuta e no aprendizado uns com os outros. 

Nos nossos dias, o papa Francisco tem insistido em que a fé cristã se vive na inserção no mundo atual, na solidariedade a todos os grandes problemas da humanidade. A missão de quem é de Deus é fazer como Jesus: criar pontes e não muros. Nós fazemos isso quando aceitamos nos despojar de nossa autossuficiência e nos inserir na comunidade humana e na comunhão de todos os seres vivos. Para retomarmos essa busca interior e nos abrir ao diálogo com todos os irmãos e irmãs que se colocam conosco nessa estrada, o Natal nos convida a começar de novo e aceitar ser como crianças abertas ao amanhã. Adélia Prado, nossa grande poetisa, tem um poema-oração que diz assim: "Meu Deus, me dá cinco anos. Meu Deus, me dá a mão e me cura de ser grande".  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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