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Viver hoje o testemunho de Oscar Romero

                  Na América Latina e por todo o mundo, na noite desta 3a feira 24 de março, as comunidades recordam o martírio de Dom Oscar Romero em El Salvador (25 de março de 1980). Ao mesmo tempo, queremos celebrar o martírio de tanta gente crucificada e morta hoje pelo racismo, pela discriminação social ou simplesmente pelo desamor que mata. Nestes dias, com a necessidade de se proteger contra o coronavírus, todas as vigílias foram suspensas. A nossa também. No entanto, assim como Dom Helder Camara partilhava as vigílias que ele fazia sozinho na madrugada, estou fazendo isso agora com vocês. Proponho que essas linhas sejam como se a gente estivesse juntos e refletindo em comum.

a) Por que é importante recordar o martírio de Romero

Romero é o primeiro santo canonizado pela Igreja Católica que participou pessoalmente da nossa caminhada de libertação. Era um bispo na linha de Dom Helder e de tantos outros irmãos e irmãs que consagraram e consagram sua vida à justiça e à libertação de todos/as. Então, recordar o martírio de Romero e o dos irmãos e irmãs, mártires da caminhada é ocasião para a gente se rever e descobrir em que aspectos cada um/uma de nós está nesse caminho do testemunho de uma espiritualidade libertadora e em que aspectos ainda não estamos nesse caminho. Nós celebramos essa vigília para pedir a Deus a graça de nos converter e assim celebrar de forma nova e profunda a Páscoa de Jesus e a dos nossos mártires.

                 De 1977 a 1980, quando foi assassinado, Monsenhor Romero foi arcebispo na capital de um país em estado de guerra: El Salvador. Como ele protegia os lavradores, índios e pobres da periferia, ameaçados, passou a ser odiado pelos militares do país, pelos ricos e até por seus irmãos bispos e pelo Vaticano. Em janeiro de 1980, já tendo recebido ameaças de morte, Dom Romero foi a Roma para conversar com o papa João Paulo II. Tentou durante oito dias que o papa o recebesse e recebeu simplesmente um Não. Os jornais de todo o mundo estamparam que o papa não quis receber o arcebispo. Um mês e meio depois, ele foi assassinado.

                     Dom Romero seguiu Jesus em sua paixão. Aceitou ficar sozinho. Foi tido como comunista ou como inocente útil aos comunistas. Aceitou perder amizades importantes, mas ficou fiel ao povo pobre. Poucos dias antes demorrer, escreveu em seu diário: “Hoje medito a palavra do evangelho, na qual João Batista diz: “Vocês são testemunhas de que eu sempre disse: Eu não sou o Cristo. Só fui enviado à frente dele. Quem recebe a noiva é o noivo. O amigo do noivo que está presente e o escuta, enche-se de alegria, quando ouve a voz do noivo. Esta é a minha alegria que agora se completa: É preciso que Ele (o Cristo) cresça e eu diminua” (Jo 3, 28- 30).

             A escolha que Dom Romero fez desse evangelho para a vida dele mostra que o martírio dele foi consequência do fato de que ele se esvaziou de si mesmo como Jesus e foi se convertendo, se convertendo até ser capaz de dar a própria vida pelos irmãos mais pobres. Então, escrevendo a vocês sobre isso, antes de tudo eu me revejo a mim mesmo como devo fazer para me colocar mais nesse caminho que é o caminho da cruz de Jesus.

            Esse texto do evangelho é uma chave de leitura para compreender a opção de um bispo que, conscientemente, aceita ser marginalizado pela sociedade e pela própria Igreja para ser fiel ao evangelho. Mas, é também uma chave de leitura para nós vivermos hoje o nosso testemunho de cristãos da caminhada. Uma coisa é criticarmos o governo e as pessoas que na Igreja se comportam como sendo de direita. A outra é a gente ainda descobrir no próprio comportamento atitudes de arrogância, de fechamento interior: é a gente se negar a se rever e a se converter. E isso infelizmente acontece mesmo nos movimentos sociais e nas comunidades. Por isso, é importante celebrar anualmente a Páscoa. Ela nos pede profunda revisão de vida e de atitudes interiores:

             1.2 – Eu devo me perguntar o que, em minha forma de ser e minhas atitudes e relacionamentos, eu ainda não estou de acordo com a proposta de Jesus e o testemunho que o mundo hoje pede de nós.

          1.3 – A gente repete expressões como “Ninguém larga a mão de ninguém”. Mas, pessoalmente, pelo meu jeito de ser e minhas atitudes com as pessoas, em que aspectos ainda estou dificultando isso?

            Pessoalmente, peço perdão a cada um/uma de vocês por qualquer vez que vocês sentiram dificuldade de dialogar comigo. Sei que tenho posições muito firmes e sei que tenho a mania de querer sempre ter razão. Pode ser também que, às vezes, dou a impressão de não precisar de ninguém. Perdão. Esse tipo de atitude é contrária à de Jesus e à de Oscar Romero e eu quero mudar.

               É preciso que cada um/uma de nós, mesmo sem poder nos reunir, se comprometa em seguir o caminho do testemunho de simplicidade e doação da vida de nossos irmãos e irmãs mártires do reino de Deus. Nos anos 80, no Chile, Ronaldo Muñoz, padre e teólogo amigo nosso, escrevia: “Toda injustiça e opressão violenta ocorrem porque Deus não pode evitar. (...) Assumindo ele mesmo, por amor, o mal e a injustiça ali onde mais doem, o Deus que se deixa crucificar com o Crucificado e os crucificados de hoje, é ele que nos interpela se estamos fazendo o máximo e o possível para transformar essa realidade. (...) Crer juntos com os sofredores e oprimidos no Deus de Jesus Cristo dá sentido e força para juntos viver e lutar” .

                           Vejam concretamente a que isso nos leva e a que nos compromete.

                     Ao pensar em cada um/uma de vocês, fico confirmado na fé e agradeço a Deus, porque através de vocês, Deus continua a dizer ao mundo: “Olha aí, estão vendo? Sou eu que continuo a fazer novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Obrigado. Deus os/as abençoe. Mesmo se pessoalmente agora estamos proibidos de nos abraçar, pela internet e em carta podemos. Abraço carinhoso do irmão Marcelo 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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