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Viver o Caminho do Amor em sociedades do Desamor

VII Domingo Comum – Mt 5, 38-48

                                                    Amar em uma sociedade contrária ao amor

 

Neste VII Domingo Comum, o evangelho proposto é Mateus 5, 38- 48 que, no discurso da montanha, continua a explicitar mais e mais as propostas de Jesus para uma sociedade alternativa, baseada nas bem-aventuranças. Nos dois domingos anteriores, o evangelho lembrava que o reinado divino supõe uma inversão de comportamentos por parte de quem quer seguir as bem-aventuranças como propostas de vida. O evangelho de Mateus deu seis exemplos de como os comportamentos humanos deveriam ser transformados. No evangelho de hoje, Jesus continua esse ensinamento e propõe que ao mal que nos é feito devemos reagir através da não violência ativa e que chegue até mesmo a uma postura de amor aos inimigos. 

Quem quer ridicularizar o Evangelho, tem aí um prato cheio, porque, facilmente, essas palavras podem ser distorcidas e mal compreendidas. Em um mundo como o nosso, dominado por violências terríveis e estruturais, como compreender a proposta de Jesus de não resistir a quem faz o mal e até oferecer o outro lado a quem bate no nosso rosto? Em nosso país, os povos originários mal sobrevivem a uma perseguição sistemática de mais de cinco séculos. Pequenos lavradores têm suas terras tomadas por latifundiários. Veem suas vidas e a de suas famílias ameaçadas por fazendeiros e jagunços. Como pedir que perdoem e que não reajam ao opressor? Mesmo em relações sociais em sociedades marcadas pela honra e pela desonra, como violentar a cultura e exigir simplesmente a passividade diante do mal? 

O evangelho desse domingo (Mateus 5, 38- 48) nos transmite a palavra de Jesus sobre o não resistir de forma violenta a quem pratica a maldade e até amar ao inimigo. Então, as traduções que simplesmente dizem: Não resistam ao malvado estão equivocadas. O que Jesus proibiu foi a resistência violenta. Responder a violência com violência. Resistir, sim. Com violência, não! De todo modo, na maioria das culturas, essa palavra soa estranha e provoca reações.  

Na Índia das primeiras décadas do século XX, o Mahatma Gandhi se apoiou nas tradições hinduístas para fazer a sua ação política da não violência ativa baseada na força da verdade e na resistência. E com este método, conseguiu levar a Índia a se tornar independente do império inglês. 

Na África do Sul, o regime do apartheid caiu a partir da luta não violenta de homens e mulheres. O mundo inteiro admirou o exemplo de Nelson Mandela, depois de vinte anos de prisão dialogar com os seus algozes e conduzir o povo negro a viver um tempo novo. Ele fez isso a partir de uma cultura laical não ligada a nenhuma religião específica. Em seu país, durante séculos, grande parte das Igrejas evangélicas e também da Igreja Católica conviveu tranquilamente e até legitimava biblicamente a discriminação racial e o apartheid. 

Ao contrário disso, foi baseado nas palavra de Jesus, no evangelho que escutamos hoje que, nos Estados Unidos dos anos 1960, o pastor batista Martin-Luther King conduziu a luta do povo negro pelos seus direitos civis e contra a discriminação.  

No tempo da 2ª guerra mundial, em um campo de concentração nazista, Etty Hillesum, jovem judia de 28 anos que tinha perdido seus pais e esperava o dia de sua morte, escreveu: “Aqui, a condenação pior que pesa sobre nós não é a condenação à morte. É o envenamento pelo ódio contra o inimigo e esse mal, os alemães não podem nos fazer. Eles não podem nos obrigar a odiar. Só nós mesmos nos fazemos isso. Eles podem nos tirar tudo, menos a nossa humanidade”. 

Atualmente, há muitos grupos espirituais que propõem a compaixão como remédio de cura para a humanidade doente. A compaixão que o Budismo chama de Karuna é o amor solidário e a Espiritualidade Ecumênica atual tem chamado de Cuidado. Leonardo Boff chega a propor "um modo de ser cuidado" em oposição ao modo de ser funcional e competitivo que o mundo atual apregoa e ensina. 

Neste evangelho, Jesus chega a propor o amor aos inimigos. Não basta evitar o ódio. É preciso cultivar o amor como forma de ser e chegar a amar até o inimigo. Isso não quer dizer tornar-se seu amigo. Menos ainda isso requer  aceitar injustiças. O modo correto de amar o inimigo é trabalhar contra a injustiça e fazer de tudo para frustrar o projeto do mal. É lutar contra a opressão,  de modo a salvaguardar a dignidade de pessoa humana, tanto de quem está oprimido, como do próprio opressor. Ao lutar contra a opressão, luto pela libertação, minha, de todos os oprimidos e também do opressor. No entanto, se ao fazer isso, não sou movido por amor, me rebaixo ao mesmo nível da desumanidade do inimigo e estou  dando algo que ninguém pode tirar de mim: minha humanidade.  

Na literatura brasileira, um clássico é o livro Amar, verbo intransitivo de Mario de Andrade. Jesus nos ensinou que o amor é divino. Pelo amor nos tornamos semelhantes a Deus. Em um sermão sobre o Gênesis, no século IV, São João Crisóstomo explicou: “Deus disse: Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança. E assim Deus criou o homem e à mulher e o criou à imagem de Deus”. Por que o texto sagrado diz que Deus tinha querido criar o homem à sua imagem e semelhança e depois quando diz que o criou insiste que foi à sua imagem, mas não fala mais em semelhança? É porque todo ser humano é imagem de Deus. No entanto, existem imagens (hoje nós diríamos fotografias) que se parecem com o original e outras que não parecem. Assim todo ser humano é imagem de Deus, mas semelhança é algo cada um/uma de nós tem de se tornar. É tarefa nossa. E a gente só se torna semelhança de Deus pelo amor. O amor é a nossa semelhança a Deus”. É isso que Jesus quis dizer quando mandou: Sejam perfeitos como o Pai do céu é perfeito. Então, aí está o segredo final deste evangelho: devemos agir assim: movidos sempre pelo amor, porque Deus é Amor e esse modo de amar é próprio de Deus. É esse amor social, político, mas também afetivo e erótico que nos torna divinos e divinas, como Jesus. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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