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"Vocês são sal da terra e luz do mundo"

   Nesse domingo, as Igrejas antigas continuam a leitura do sermão da montanha com o texto de Mt 5, 13- 19. Continuando o discurso das bem-aventuranças, Jesus alterna. Diz palavras que são dirigidas a todo o povo e outras que se endereçam mais especificamente aos discípulos e discípulas. Essas do evangelho de hoje são para os discípulos/as: “Vocês são o sal da terra e a luz do mundo”(5, 13ss ).

 Geralmente, por falta de compreensão do contexto histórico, muitas pessoas, tanto católicas como evangélicas, fazem desse texto uma leitura um pouco fundamentalista. Entendem o “sal” como sal da cozinha, enquanto o evangelho fala em “sal da terra”. Sabemos que nas culturas antigas, por conservar a comida e temperá-las, o sal tornou-se símbolo de amizade e aliança imperecíveis.  A Bíblia lembra um rito de aliança com sal: Berith Melah (Cf. Lv 2, 13; Nm 18, 19).

 Alguns pensam que na Palestina de Jesus, os pastores levavam as ovelhas para o campo e, durante o dia, as deixavam soltas pastando. À noite, elas tinham de voltar ao aprisco para não serem presas das feras. Voltavam comendo o sal da terra que era freqüente na beira do lago de Tiberíades e do Mar Morto. Como na história infantil de João e Maria, com o caminho das pedras, o sal da terra conduzia as ovelhas de volta ao rebanho. Assim, quando Jesus disse: “Vocês são o sal da terra”, o que ele estava dizendo era: “Vocês têm a função de reunir as pessoas dispersas no aprisco do Pai para que não se percam nem sejam presas das feras do mundo”. A missão dos discípulos é o de unir a humanidade no reino do Pai.

Outros comentadores se perguntam se não haveria no texto uma confusão entre o termo aramaico “ ’eres”(terra) e o termo “ ’arsa” (fogueira). Era costume na Palestina usar o sal para ativar as fogueiras (à noite, no campo) e quando o sal perdia o seu material combustível, não conseguia mais ativar o fogo. (Comparar com texto dos outros evangelistas: “Todos devem ser salgados no fogo”(Mc 9, 49). “O sal que perde a sua força não é mais útil nem para a terra nem para a cozinha”(Lc 14, 34). Será que a recomendação de Jesus: “Tende sal em vós mesmos” (Mc 9, 50) não significaria, de fato: “Mantenham em vocês o calor, a capacidade de aquecer a vida”. 

Sem dúvida, já nos tempos dos evangelhos (pelos anos 80),  as comunidades cristãs leram esse texto a partir da cultura grega e mais urbana. Então deram a essa parábola do sal outro significado. O sal deixou de ser "da terra" e passou a ser "das casas".  O sal é o que dá sabor. O sabor da vida é adquirido pela sabedoria. “Ter sal” significaria: “Ter sabedoria”. O sal se tornou símbolo da sabedoria[1].

A insistência de Jesus é para que os seus discípulos e discípulas assumam a função que deveria ser de todo o povo de Israel, a missão de ser sal e luz. Isso significa que cada pessoa humana tem uma “reserva de luz”. Este potencial luminoso está como que inscrito em nossas células e precisa ser desenvolvido.

 O sal seria o elemento que reúne, congrega e unifica no íntimo da pessoa a sua parte luminosa e a parte de trevas que cada um tem em si. A partir de agora, sal e luz não serão mais apenas os rabinos e doutores. Jeus proclama todos os discípulos sal e luz do mundo. E adverte: “Não enlouqueçam!” (o termo original “morainein” não quer dizer “tornar-se insosso” e sim “enlouquecer”). O símbolo da luz também era usado para a comunidade de Israel. Já os cânticos do Servo Sofredor diziam que o servo deveria ser luz para o mundo todo (Is 49, 6). Agora, Jesus aplica à comunidade dos seus discípulos. Toda a comunidade deve ser missionária nesse sentido de iluminar a humanidade com a luz do reinado divino.



[1] - Cf. SCHNNACKENBURG, citado por Ortensio da Spinetolli, idem, p. 150.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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